Claude Zilberberg e a prosodização da semiótica

Luiz Tatit

Université de São Paulo

https://doi.org/10.25965/as.6466

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Mots-clés : concession, événement, prosodisation, tensivité

Auteurs cités : Algirdas J. GREIMAS, Louis HJELMSLEV, Ferdinand de SAUSSURE, Paul VALÉRY, Claude ZILBERBERG

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Texte intégral

Introdução. Entre a razão e a poética

Note de bas de page 1 :

Um de seus primeiros trabalhos de fôlego foi uma análise semiótica da obra de C. Baudelaire : Une lecture des Fleurs du Mal, Tours, Mame, 1972.

Note de bas de page 2 :

Basta dizer que entre os principais parâmetros de seu modelo tensivo constam o andamento [tempo] e a tonicidade.

Reconhecido como um dos principais pesquisadores da semiótica greimasiana, Claude Zilberberg, à maneira de Janus, a divindade romana, manteve sempre uma face voltada para os antecedentes da teoria e outra mirando um futuro que dependia justamente do sucesso da sua própria intervenção nessa ciência. O mesmo entusiasmo com que durante pelo menos três décadas lançou novos conceitos a cada artigo publicado serviu também para promover uma busca incessante de respaldo epistemológico às tais novidades, sobretudo nos fundamentos linguísticos e estruturais que deram origem ao projeto semiótico. Quando não era suficiente, o autor procurava o apoio de pensadores de diversas áreas e épocas que tivessem de algum modo manifestado o mesmo gênero de preocupação com o sentido, em especial aqueles comprometidos com a reflexão poética e artística. Aliás, eterno apaixonado pela razão e pela poética, Zilberberg começou descrevendo essa última com os instrumentos típicos da racionalidade semiótica1, até que, num determinado momento, inverteu o processo e passou a reconstruir a teoria à luz das dinâmicas tensivas sugeridas pela poesia, pela música e pelas artes em geral2.

Note de bas de page 3 :

Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage, Paris, Hachette, 1979.

Embora tenha chegado a uma concepção teórica bastante pessoal, de certo modo distante dos princípios basilares da semiótica de Greimas (representados, por exemplo, pelo percurso gerativo e pelo esquema narrativo), Zilberberg jamais se posicionou como dissidente da proposta inicial fundada pelo autor lituano-francês. Costumava dizer que apenas trazia um novo ponto de vista para o enriquecimento de uma teoria cuja ambição era nada menos que compreender melhor a construção do sentido. Apreciava o engenho do modelo descritivo consolidado no Dicionário de Greimas e Courtés3, mas sentia que o pensamento analítico utilizado para gerar suas categorias narrativas e discursivas não contemplava os conteúdos emocionais e as oscilações de afeto que participavam de quase todos os textos, especialmente os de natureza artística.

O interesse do semioticista francês pelas artes poderia ter adoçado sua linguagem de pesquisador, como ocorria em geral com os teóricos que se devotavam à estética (o exemplo mais próximo na década de 1970 era o de Roland Barthes), mas, ao contrário, quanto mais introduzia o horizonte poético nos estudos semióticos mais imbuía-se das ideias de Ferdinand de Saussure e do estruturalismo radical de Louis Hjelmslev e Viggo Brøndal, exigindo de seus leitores uma iniciação pouco comum mesmo no mundo teórico. Essa característica ainda permaneceu nos últimos escritos de Zilberberg, embora seu esforço final de sintetização e coerentização do modelo tensivo tenha demonstrado certa independência desses grandes linguistas e, na medida do possível, alguma autonomia na formulação dos princípios diretores do seu projeto. Essa nova condição pode ser claramente depreendida da leitura de suas obras derradeiras, particularmente, Éléments de grammaire tensive (2006) e La structure tensive (2012), assim como da proposta de formação progressiva de um glossário dedicado à sua metalinguagem específica.

Note de bas de page 4 :

Essai sur les modalités tensives, Amsterdam, Benjamins, 1981.

Na entrada dos anos 1980, quando Greimas e seus assistentes mais próximos começaram a considerar a possibilidade de estudar seriamente os fenômenos perceptivos e os estados sensíveis que constituíam o universo passional do sujeito semiótico, Zilberberg já vislumbrava um plano mais abstrato contendo os limites e os graus pressupostos pelas noções modais e actanciais do nível narrativo. Chegou a publicar um livro, em 1981, que adicionava ao modelo padrão algumas dezenas de verbos com funções modais para cobrir parte desse fluxo modulatório responsável pelas demarcações e segmentações do sentido4. Acostumada a operar com algo em torno de seis ou sete verbos modais, a pequena comunidade semiótica não via como absorver aquela profusão de metapredicados e intencionalidades que perdia, por falta de economia metodológica, o seu valor operacional. O próprio pesquisador logo trocou a reprodução difusa dos conceitos pela concepção de um plano específico para o estudo desses fluxos ondulatórios que ora se contraíam, ora se dispersavam, dependendo do grau de intensidade a que estavam sujeitos no decorrer de um ato enunciativo.

Note de bas de page 5 :

Sémiotique. Dictionnaire, op. cit., p. 396.

Note de bas de page 6 :

L. Hjelmslev, Prolégomènes à une théorie du langage, Paris, Minuit, 1971, p. 77.

Note de bas de page 7 :

C. Zilberberg, “Défense et illustration de l’intensité”, in J. Fontanille (org.), La quantité et ses modulations qualitatives, Limoges e Amsterdam, Pulim e Benjamins, 1992, p. 104.

Note de bas de page 8 :

C. Zilberberg, “Esquisse d’une grammaire du sublime chez Longin”, Langages, 137, 2000, p. 104 ; J. Fontanille e C. Zilberberg, Tension et signification, Liège, Mardaga, 1998, p. 110.

A necessidade de instituir um enfoque tensivo no âmago da teoria começava então a tomar corpo. Uma única noção, porém, dava ensejo a esse tipo de investigação no interior da malha conceitual já consagrada pela semiótica : a timia. Essa “disposition affective de base”5 tornou-se uma entrada, ainda que “tímida”, no mundo subjetivo do ser semiótico, a partir da sua percepção dos fenômenos exteroceptivos e de sua integração numa esfera axiológica da sociedade. Sob a égide dessa categoria tímica, a semiótica classificava as dêixis contrárias do quadrado semiótico como eufóricas ou disfóricas, mas não se permitia ir além desse semantismo bastante vago. Para Zilberberg, esse canal de ingresso na subjetividade foi suficiente para que retomasse em outras bases a conhecida tese do isomorfismo entre forma de expressão e forma do conteúdo6, agora não mais pelo levantamento dos traços fonêmicos ou sêmicos, mas, sim, pela adoção, nos dois planos da linguagem, de critérios prosódicos. Sua investigação começou justamente por uma avaliação teórica do universo tímico : “Le thymisme serait structurellement prosodique, et se manifesterait tantôt sous l’espèce de l’accentuation, tantôt sous celle de la modulation”7. Em seguida, criou para si um projeto que denominou “prosodização do conteúdo”8, cujo desenvolvimento o levou até a publicação de La structure tensive (2012).

1. A matriz da tensividade

1.1. Resolução da foria

Note de bas de page 9 :

De l’Imperfection, Périgueux, Fanlac, 1987.

Note de bas de page 10 :

Sémiotique des passions, Paris, Seuil, 1991, p. 18.

Nos últimos anos da década de 1980, Greimas e seus colaboradores mais próximos já vinham utilizando progressivamente o conceito de foria nos contextos discursivos antes reservados à noção de timia, não apenas pela evidente motivação morfológica — afinal essa categoria articulava-se em euforia e disforia —, mas também por seu sentido original associado a uma “força para levar adiante”, o que poderia explicar o ímpeto manifestado pelo sujeito quando altamente sensibilizado num determinado estado passional. Ao lado das oscilações tensivas, reservadas à percepção do ser semiótico, a foria daria conta principalmente dos casos extremos, em que os aspectos sensíveis retirassem do sujeito o controle da situação ou a capacidade de sustentar a própria racionalidade. Greimas havia examinado diversos casos dessa natureza no âmbito da literatura ao escrever sua última obra exclusiva, e muito celebrada, De l’Imperfection9. Nessa ocasião, caracterizou-os como experiências extraordinárias que provocavam uma fratura no discurso e remetiam o sujeito para lugares imprevisíveis onde os sentimentos superavam as medidas da percepção. Essa ideia foi definitivamente incorporada à teoria geral no livro Sémiotique des passions, lançado poucos anos depois por Greimas e Fontanille10.

Note de bas de page 11 :

L. Hjelmslev, Le langage, Paris, Minuit, 1966, p. 145.

Participante ativo dos seminários conduzidos por Greimas, Zilberberg abraçou o conceito de foria não apenas na acepção adotada pela equipe, mas sobretudo como uma espécie de matriz da aspectualização, que, segundo os seus estudos, teria precedência lógica em relação aos níveis narrativo e discursivo. A continuidade fórica foi sempre concebida pelo autor como sequências entoativas direcionadas ora à tensão, ora ao relaxamento, algo semelhante à cadência rítmico-melódica da frase que a retórica dividia em prótase e apódose, mas também como fluxo portador de saliências e “passâncias”, homologáveis respectivamente às noções de intenso e extenso, no sentido formulado por L. Hjelmslev11. É nessa última acepção que Zilberberg investe anos de sua pesquisa mostrando a interação dialética entre elementos locais, compactos e “implosivos” (acentuais, no plano da expressão, e nominalizantes, no plano do conteúdo, ambos intensos segundo Hjelmslev) e elementos globais, difusos e “explosivos” (modulatórios, no plano da expressão, e verbalizantes, no plano do conteúdo, ambos extensos para o dinamarquês), os primeiros elementos definindo a concentração espacial e a espera temporal que tendem necessariamente à processualização, e os demais definindo o desdobramento e a expansão sintagmática que ocupam a cena com seus movimentos sinuosos ou seus torneios explicativos, mas que tendem a gerar nova contração tônica ou nova síntese.

Note de bas de page 12 :

C. Zilberberg, Raison et poétique du sens, Paris, P.U.F., 1988, pp. 97-113.

Note de bas de page 13 :

C. Zilberberg, Raison…, op. cit., p. 108.

Portanto, a foria de Zilberberg já traz valores de limite ou demarcação que funcionam ao lado de valores de fluxo ou continuidade, o que permitiu que o teórico propusesse em meado dos anos 1980 um nível do percurso gerativo especificamente reservado ao “fazer missivo”12. Entre as tensões que mobilizam a foria e os valores contínuos ou descontínuos inscritos nas modalidades — consideradas pelo autor também como um nível à parte —, teríamos então as escolhas missivas do enunciador, contemplando ora o fazer remissivo, com suas paradas, concentrações e consciência temporal (espera ou reminiscência), ora o fazer emissivo, com suas difusões, retomadas do curso narrativo e ocupações espaciais. Esse texto deixa claro que as modalidades pressupõem valores missivos, mais abstratos, que respondem por seu funcionamento aspectual. São os valores emissivos, por exemplo, que definem a incoatividade própria do querer ou mesmo a capacidade de prosseguir própria do poder, assim como, por outro lado, os valores remissivos instruem a interrupção promovida por um dever ético e até as avaliações periódicas ou terminais praticadas pelo saber. Do mesmo modo, no nível narrativo, as relações entre os actantes destinador e destinatário em busca de acordo são puras manifestações do fazer emissivo, bem como as interações entre sujeito e objeto, em especial quando essa última função é a parte faltante para que o sujeito complete sua identidade. No entanto, essas mesmas relações, subjetais e objetais, podem ser regidas pelo fazer remissivo, de modo que teríamos então, de um lado, rupturas polêmicas entre sujeito e antissujeito e, de outro, descontinuidade entre sujeito e objeto, o que pode fazer desse último um abjeto13.

A importância desse capítulo, divisor de águas na carreira do semioticista, confirma-se não apenas pelo teor inusitado da proposta, mas também por algumas ocorrências pragmáticas que estiveram associadas à sua produção. O autor chegou a preparar e publicar três versões desse texto até encontrar o formato ideal que se consagrou como capítulo do livro Raison et Poétique du sens (1988). Na primeira, lançou a ideia que comentamos acima sob o título “Immanence et transcendance du polémique”, no Bulletin do Groupe de Recherches Sémio-linguistiques, em 1984. Dois anos depois, já com o título definitivo, publicou a versão mais extensa desse trabalho na revista canadense RSSI. Empolgado com as descobertas obtidas no tratamento das noções de tempo e espaço subjetivos, Zilberberg enviou o texto original para a apreciação do filósofo Paul Ricœur. A leitura atenta e interessada desse pensador converteu-se em carta de resposta ao semioticista, o qual, imediatamente, providenciou sua publicação como uma espécie de posfácio ao seu artigo no volume 6 da revista mencionada. Era a sanção de que precisava numa fase em que suas ideias e seu modo de escrever pareciam demasiadamente afastados da tradição semiótica.

De fato, o fazer missivo converteu-se na melhor explicação analítica da noção de foria. Tratava-se, então, de um fluxo orientado e acidentado que alternava seus “afluxos” com momentos de “refluxo” e que servia de ponto de partida para a compreensão da semiose inerente à construção do sentido, tendo em vista que tais características eram encontradas tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo. Esse viés significa, por outro lado, que a face de Zilberberg voltada ao passado jamais se satisfez com o padrão de abordagem do conceito de foria adotado pela semiótica de então, bastante comprometido com o universo passional do sujeito, mas distante da epistemologia linguística que gerou a teoria como um todo. Para Greimas e Fontanille, a foria trazia um complemento à tensividade, pois era capaz de expressar, ao lado da percepção, um sentir global oriundo do próprio “corpo” do sujeito semiótico, principalmente nas situações extremas em que ainda não se manifesta a mediação cognitiva. Ora, para o criador do enfoque tensivo, a noção de foria tinha uma procedência mais técnica e seus componentes principais já estavam projetados no modelo da silabação de F. de Saussure. Essa perspectiva é a base do que já foi definido aqui como prosodização do conteúdo.

1.2. Semiótica da silabação

Note de bas de page 14 :

F. de Saussure, Cours, op. cit., p. 88.

A consecução silábica manifesta-se pela alternância de seus constituintes fundamentais, a implosão (>) e a explosão (<), ao longo da cadeia falada. O primeiro retrata o inevitável fechamento da sonoridade logo após o seu pico de abertura e o segundo, a tendência à abertura assim que a série fônica atinge seu maior grau de fechamento. O mais importante é que esses constituintes são definidos por suas funções mútuas e contextuais na sequência sonora da linguagem e não pelos fonemas já conhecidos previamente como vogais e consoantes. Saussure ilustra o seu raciocínio demonstrando que a vogal “i” pode exercer a função de soante em “fidèle” (f<i>d<...), mas pode também operar como consoante em “pied” (p<i<e>d), já que neste caso a função de soante recai sobre “e”14. No início de “pied”, encontramos um elo explosivo (<<), isto é, uma gradação que conduz à abertura sonora máxima nesse contexto (em “e”), mas podemos também ter um elo implosivo (>>), como acontece no interior da palavra “porte” (p<o>r>t), que perfaz a gradação contrária em direção ao fechamento máximo. Foram essas micro-orientações indicadas pelos elos que instigaram Zilberberg a propor as noções de ascendência e descendência [décadence] (tratadas adiante) para explicar, no plano do conteúdo, as direções tensivas, do menos ao mais e vice-versa.

Sabe-se ainda que, de acordo com Saussure, a passagem da implosão para a explosão (> | <) provoca o efeito de fronteira de sílaba, ou seja, de fechamento seguido de abertura da sonoridade, o que, no plano das quantificações subjetivas do conteúdo, poderia equivaler à transição do somente menos ao menos menos ou diretamente ao mais mais. Por outro lado, a passagem da explosão para a implosão (< >) responde pelo efeito de ponto vocálico, de abertura seguida de fechamento, o que, no plano do conteúdo, pode representar a transição do somente mais ao menos mais ou diretamente ao mais menos. (Retornaremos mais abaixo sobre esse ponto, infra 2.2 e fig. 2). O semioticista concebe essa silabação não apenas como uma aspectualização profunda — gerando, como vimos, a modalização, a actancialização e os processos discursivos — mas, sobretudo, como a mais genuína expressão prosódica (acento e modulação) do que ocorre nas alternâncias direcionais do conteúdo, formuladas como esquemas ascendentes e descendentes, e nas correlações inversas entre intensidade e extensidade. Vejamos como se dá essa concepção.

Note de bas de page 15 :

Dizemos primeira implosão porque pode haver outras na mesma sequência, como vimos no caso do elo implosivo.

A primeira implosão15 traz consigo a função de soante que coincide com o auge do ponto vocálico. Na perspectiva prosódica, esse ponto refere-se ao acento. O fechamento da sonoridade próprio da implosão (>) realiza, no plano da expressão, o que o assomo, ou a parada fórica, ocasiona no plano do conteúdo : sobrevém com intensidade no campo de presença como se fosse o clímax de um esquema ascendente. Os trechos literários descritos por Greimas em De l’Imperfection retratam exatamente esse momento implosivo, esse assomo, que fratura o cotidiano do sujeito e que pede imediata resolução cognitiva. Essa última responde pela parada da parada, expressão engenhosa do autor francês para designar o processo de extensão, resolução e explicação que desfaz o impacto do fenômeno inesperado. Se voltarmos ao plano da expressão e às regras da silabação, estaremos aqui na fase explosiva (<) em que ocorre a abertura da sonoridade. Se retomarmos o ponto de vista prosódico, estaremos em plena modulação. Tais processos descrevem o esquema descendente cujas operações extensivas contribuem para diluir o choque provocado pelo acontecimento que irrompe com relevância na vida do sujeito.

Note de bas de page 16 :

Esse conceito aparece em Tension et signification, de Fontanille e Zilberberg (op. cit., p. 85), mas até o presente não se consolidou na teoria tensiva.

Note de bas de page 17 :

Os valores de absoluto são gerados pelas grandezas que ingressam no campo de presença causando impacto do ponto de vista da intensidade e concentração do ponto de vista da extensidade. Ao contrário, as grandezas que surgem no cruzamento da tenuidade com a difusão produzem os valores de universo, pois combinam pouca intensidade com alto grau de abrangência.

Essas relações definem, segundo Zilberberg, o isomorfismo entre os planos da linguagem. Acento e modulação correspondem a assomo e resolução. A complexidade tensiva da silabação é notória quando verificamos que a implosão (ou acento ou assomo) caracteriza-se por concentrar a extensidade e aumentar a intensidade, enquanto a explosão (ou modulação ou resolução) retrata a expansão da extensidade como forma de diluição da rapidez e da tonicidade. Se a prosódia regula o ritmo entre acento e modulação, a consistência16 regula a sintaxe entre intensidade e extensidade. Quando deparamos com os conhecidos diagramas tensivos expressando as correlações entre dimensões intensiva e extensiva nem sempre nos damos conta de que esse modelo paradigmático advém de um pensamento temporal e sintagmático projetado por Saussure na célebre silabação. A parada prevista pela implosão define a área acentual no plano da expressão e os valores de absoluto no plano do conteúdo, bem como o ápice da direção ascendente em ambos os planos ; a resolução (ou parada da parada) prevista pela explosão define a área modulatória no primeiro plano e os valores de universo17 no segundo, além de partir para a difusão e mistura dos valores, ambas associadas à direção descendente. Esse quadro passou a representar o enfoque tensivo das duas últimas décadas :

Figura 1. Áreas tensivas (baseado em C. Zilberberg, Éléments de grammaire tensive, p. 57).

Figura 1. Áreas tensivas (baseado em C. Zilberberg, Éléments de grammaire tensive, p. 57).

Note de bas de page 18 :

Cours, op. cit., p. 23.

Note de bas de page 19 :

C. Zilberberg, “Retour à Saussure ?”, art. cit., p. 38 ; Éléments de grammaire tensive, Limoges, Pulim, 2006, p. 25.

Portanto, para Zilberberg, é a silabação que cria o tempo gerador da forma semiótica, assim como o ponto de vista teórico cria o objeto de investigação na famosa formulação de Saussure 18. Pois, em trabalhos distintos, o semioticista não hesita em dizer que tanto o ponto de vista quanto a silabação constituem uma poiese 19, ao que acrescentamos, na história da linguística e da semiótica.

1.3. Espaço tensivo

Evidente que o isomorfismo não se manifesta sem as necessárias adaptações à natureza de ambos os planos da linguagem. O mundo fórico, ou tímico, apresenta apressamentos e retardos, por exemplo, que o diferem do encadeamento ordenado e “frio” das unidades silábicas. Além da simples contenção de um processo (parada da continuação) no plano do conteúdo, podemos ter sua retenção (continuação da parada) por tempo indeterminado até que chegue uma nova distensão (parada da parada) para recobrar a continuidade suspensa. Nesse ponto, Zilberberg sempre se serviu das ideias de Paul Valéry que distinguem o sujeito surpreso (atrasado em relação ao objeto inesperado) do sujeito da espera (adiantado em relação a um objeto ainda não alcançado) e sublinham as diferenças de ritmo das duas abordagens :

Note de bas de page 20 :

C. Zilberberg, “Défense et illustration de l’intensité”, art. cit., p. 104.

Tandis que dans la syllabe saussurienne implosion et explosion sont dans un rapport de consécution, l’explosion ou la résolution thymique peuvent être différées, retardées par intercalation d’un temps particulier, celui de l’attente.20

Note de bas de page 21 :

C. Zilberberg, Éléments de grammaire tensive, op. cit., p. 143.

Considerando que o sujeito da espera — e seu correlato objetal, o exercício — já experimentou décadas de glória no campo narratológico da pesquisa semiótica, o interesse de nosso autor orientou-se cada vez mais para o sujeito “surpreso” e para a área dos valores de absoluto, onde foi situado também o conceito de acontecimento. Por isso, durante certo tempo, as principais categorias selecionadas como critério de análise tensiva foram o andamento, a duração e o espaço. Afinal, o que define um acontecimento senão o seu ingresso veloz num campo de presença, reduzindo ao mínimo tanto a duração quanto o espaço subjetivo de um sujeito implicado ? Com o passar dos anos, porém, motivado pela definição da palavra “acontecimento” em francês (événement : “ce qui arrive et qui a de l’importance pour l'homme”— Micro-Robert), Zilberberg sentiu necessidade de associar à categoria do andamento (“ce qui arrive...”, com seu traço de imprevisibilidade repentina — veloz, portanto) um outro parâmetro, específico para a tonicidade que está implícita na expressão “qui a de l’importance pour l’homme”21. A partir de então, a intensidade ganhou duas subdimensões, o andamento e a tonicidade, e o estatuto de categoria regente, enquanto a extensidade permaneceu com a espacialidade e, no lugar da duração, foi inserida a noção de temporalidade, ambas as subdimensões com estatuto de categoria regida.

Note de bas de page 22 :

Além do capítulo seminal já comentado (“Pour introduire le faire missif”), Zilberberg dedicou pelo menos três estudos ao tema do percurso gerativo : “Conversion et réversion” in H. Parret e H.G. Ruprecht, Exigences et perspectives de la sémiotique, Amsterdã, Benjamins, 1985 ; os verbetes “Génératif” e “Transvaluation” in A.J. Greimas e J. Courtés (orgs.), Sémiotique. Dictionnaire raisonné de la théorie du langage, II, Paris, Hachette, 1986 ; e “Modalités et pensée modale”, Nouveaux Actes Sémiotiques, 3, 1989.

Note de bas de page 23 :

C. Zilberberg, Éléments…, op. cit., p. 223.

Ao atingir esse estágio da teoria, Zilberberg já havia descartado dois pilares da semiótica padrão, ainda que jamais reconhecesse, como já dissemos, seu desligamento das principais referências greimasianas : afastara de suas análises tanto o percurso gerativo como o esquema narrativo. Depois das insistentes tentativas para introduzir o nível missivo (ou aspectual) entre os níveis tensivo (ou fórico) e modal do percurso gerativo22, todos esses considerados anteriores, em termos lógicos, aos tradicionais níveis narrativo e discursivo — que marcaram os principais trabalhos semióticos realizados nas décadas de 1970 e 1980 —, o autor manteve os recursos da pressuposição conceitual, mais à maneira de Hjelmslev que de Greimas, e dispensou as noções de conversão ou manifestação gradativa dos níveis de significação. Além disso, repetiu em diversas oportunidades que a narrativa não possui o grau de abrangência que a semiótica por muitos anos lhe atribuiu nem a prerrogativa de representar teoricamente o “sentido da vida”. Costumava ainda lembrar que Greimas, em sua fase derradeira, recomendava “sortir de Propp” e considerar a narrativa como apenas um dos caminhos possíveis do sentido23.

Note de bas de page 24 :

Paul Valéry, Cahiers, tome 1, Paris, Gallimard (Pléiade), 1973, p. 1168.

Note de bas de page 25 :

C. Zilberberg, “Esquisse d’une grammaire du sublime chez Longin”, art. cit., p. 121.

O progressivo abandono dos esquemas actanciais por Zilberberg foi sempre proporcional ao seu interesse cada vez maior pelo acontecimento. Em vez da ideia de existência por narrativas, o semioticista sublinha uma passagem de Valéry na qual o poeta postula uma “existência por acontecimentos”24, como, por exemplo, se as experiências extraordinárias descritas em De l’Imperfection pudessem ser cotidianas e as ressemantizações não fossem mais que manifestações da prosodização do conteúdo25. Todo objeto de estudo passa então a ser avaliado pelo seu modo de presença no espaço tensivo, isto é, pelos valores adquiridos no cruzamento das dimensões e subdimensões definidas como intensidade e extensidade :

Note de bas de page 26 :

C. Zilberberg, “Précis de grammaire tensive”, Tangence, 70, 2002, p. 140.

Selon l’épistemologie propre à la sémiotique tensive, la description d’une grandeur n’est possible qu’à partir de son immersion dans l’espace tensif ; la question s’énonce d’elle-même : quelles sont les dynamiques intensives, c’est-à-dire de tempo et de tonicité, et les dynamiques extensives, c’est-à-dire de temporalité et de spatialité, que l’événement fait, si l’expression est permise, vibrer ?26

Se é próprio do acontecimento suspender a ação em favor da sensação superlativa vivenciada pelo sujeito, o período narrativo será sempre uma fase posterior de desaceleração e recuperação progressiva do controle sobre a temporalidade. Aliás, a temporalidade constitui, para Zilberberg, a própria matriz da tensividade, ou seja, é o que subsiste em nossa mente toda vez que deparamos com a disjunção. Se depreendemos rupturas e retomadas num determinado processo é porque o ritmo está presente em nosso pensamento ; se separamos o significante do significado é porque a noção de signo nos permite conceber essa dualidade ; se isolamos alguns momentos da vida é porque o restante do tempo nos serve de respaldo. Enfim, o tempo pode ser aquilo que se conserva em nossa mente quando pensamos em passado, presente e futuro, mas pode ser também o “ritmo” ou o “signo” dos exemplos anteriores. A etapa de resolução e desaceleração que sucede o acontecimento corresponde à restauração da temporalidade (ou da razão) que havia sido, parcial ou integralmente, anulada pelo que sobreveio inesperadamente.

2. O novo ponto de vista

2.1. Gramaticalização do acontecimento

Note de bas de page 27 :

C. Zilberberg, “Signification et prosodie dans la dialectique de la durée de G. Bachelard”, in P. Sauvanet e J.-J. Wunenburger (orgs.), Rythmes et phisosophie, Paris, Kimé, 1996, p. 114.

Portanto, a temporalidade para o semioticista é o elemento que recompõe a identidade desfeita pela análise estrutural. É o que sutura as diferenças e as interrupções em nome de um contínuo progressivo ou degressivo, a depender da etapa examinada. Por abarcar as descontinuidades da estrutura e as identidades do fluxo temporal, a tensividade passou a ser o conceito-chave da descrição semiótica, pois garante a indivisibilidade nas circunstâncias de divisibilidade e vice-versa. Todavia, nem sempre os recursos tensivos desvelam as junções subjacentes às oposições discursivas, sobretudo em se tratando de experiências raras ou de extrema comoção. Em outras palavras, os acontecimentos podem irromper com tanta velocidade e tonicidade que desaparecem seus possíveis elos implicativos e causais com os demais elementos do campo de presença. Mesmo nesses casos-limite, Zilberberg vislumbra uma “junção resistente”, já que persiste até nas disjunções radicais, a que chama de concessão27. Bem mais que uma simples figura de retórica, esse conceito torna-se crucial quando se pensa na viabilidade de uma semiótica do acontecimento.

A ideia de concessão abriu uma possibilidade concreta para a gramaticalização do acontecimento. Ao contrário da narrativa, baseada na noção de espera e na observância das regras actanciais, o acontecimento foi sempre tratado como um objeto acidental e inapreensível por leis que estabeleçam previsibilidade. No entanto, a existência do pensamento concessivo concentrada nas partículas gramaticais da linguagem diária, como “embora”, “ainda que”, “apesar de” etc., indica que a subversão do nosso paradigma anterior e a possibilidade de aproximarmos fatos e conceitos aparentemente inconciliáveis são recursos tão usuais quanto os que geram a coerência do pensamento implicativo, fundada no “porque”, “portanto”, “então” ou qualquer outro conector de causas e consequências imediatas. O que falta é a devida semiotização de todas essas partículas.

No fundo, a concessão é o processo semiótico que descreve o valor tensivo de uma grandeza formada no cruzamento da alta velocidade com a extensidade concentrada. É esse o ponto de interseção que se manifesta como acontecimento na área acentual da figura 1 deste texto (cf. supra, 1.2). Caso caracterizássemos a área de surgimento dessa grandeza no vértice de uma velocidade lenta com uma extensidade difusa, portanto, na área modulatória, poderíamos ter a manifestação do que Zilberberg vem chamando de exercício, processo típico do discurso implicativo. Diria ainda o semioticista que há homogeneidade entre as junções “de direito” e “de fato” quando promovidas por esse último discurso. Já o discurso concessivo propõe uma junção “de fato” nos contextos em que, “de direito”, ela não existe.

Pensemos numa frase banal : “ele não comprou o imóvel porque lhe faltava o dinheiro”. Há uma lógica implicativa que une automaticamente o trecho final da frase (falta do dinheiro) com o seu segmento inicial (não-compra do imóvel) e que aponta para a plena harmonia entre o universo da regra ou do consenso (“de direito”) e o do acontecimento (“de fato”). Em outra versão, desta vez concessiva, a frase poderia ser : “ele comprou o imóvel embora lhe faltasse o dinheiro”. Ao mesmo tempo que retira a solidariedade de base entre os dois segmentos da frase, a concessão propõe uma junção inesperada (falta do dinheiro + compra do imóvel), pois pressupõe a separação do mundo “de direito” e o mundo “de fato”, além de, nesse caso, ressaltar a hegemonia do último sobre o primeiro. O que ocorre em frases simples como essas pode ser encontrado em textos complexos, normalmente de forma camuflada, mas oferecendo todas as indicações para a reconstrução do semioticista. Por isso, insistimos no fato de que Zilberberg descobriu nas operações concessivas a gramática do acontecimento.

Isso gerou algumas hesitações teóricas nos textos recentes do criador da “estrutura tensiva”. Às vezes, o par implicativo / concessivo aparece como articulação do “modo de junção”. Outras, como forma gramatical de inclusão e exclusão de grandezas no campo de presença, portanto, como articulação de uma “sintaxe juntiva”. Talvez, no nosso entender, essa última acepção acabe prevalecendo, já que é a partir da sintaxe concessiva e implicativa que podemos depreender o modo de eficiência (a maneira pela qual uma grandeza penetra no campo de presença) e dele extrair o estilo semiótico em destaque, baseado ora no sobrevir, espécie de realização súbita do irrealizável, claramente concessiva, ora no parvenir, espécie de desdobramento modulatório e gradativo do conteúdo, facilmente identificado com o pensamento implicativo. Considerando ainda que o sobrevir determina a apreensão sensível do ser semiótico, enquanto o parvenir controla a relação do sujeito e seus preparativos com o objeto em foco, ambas as categorias (apreensão [saisie] e foco [visée]) articulando o modo de existência concebido por Zilberberg, pode-se dizer que tudo decorre da sintaxe juntiva de origem.

2.2. Direções ascendente e descendente

Note de bas de page 28 :

C. Zilberberg, Raison et poétique…, op. cit., pp. 148-149.

Ao lado dessa sintaxe e em plena interação com ela, Zilberberg concebeu também uma sintaxe intensiva para se avaliar as orientações de conteúdo e suas resultantes progressivas ou degressivas. Assim como, no plano da expressão de uma língua natural, a forma se adapta à linearidade exigida pela substância, no plano do conteúdo, a forma também funciona sob a influência das direções ascendentes e descendentes que se manifestam em sua substância28. Todas as grandezas que entram num determinado espaço tensivo recebem uma cifra indicando o seu grau relativo de tonicidade e andamento, bem como o seu grau de abrangência num dado universo de sentido. Se leio a notícia de que acaba de sair o melhor livro do ano sobre cultura brasileira, depreendo sinais de velocidade acentuada (“acaba de sair”) além de informações sobre o alto índice de tonicidade do objeto anunciado aliadas à revelação de um processo de triagem já efetuado no âmbito bibliográfico (“melhor livro”). Encontram-se assim garantidas as cifras tensivas do produto anunciado : seu caráter recente, sua relevância (ponto de vista intensivo) e sua singularidade (ponto de vista extensivo). Posso ler outra matéria sobre o mesmo livro que reconhece suas qualidades, mas realça os seus limites diante de outros trabalhos da área mais elaborados. Percebo, então, nesse instante, que a primeira notícia havia atingido o ponto máximo da positividade ou da ascendência (o acento, a implosão), ao passo que a segunda matéria já relativizava aquelas impressões atenuando tanto o impacto da informação como a seleção da obra em seu conjunto temático, inaugurando, desse modo, a direção descendente (a modulação, a explosão).

Note de bas de page 29 :

C. Zilberberg, La structure tensive, Liège, Presses Universitaires de Liège, 2012, p. 51.

Note de bas de page 30 :

C. Zilberberg, Éléments…, op. cit., p. 212 ; La structure tensive, op. cit., p. 66.

Para traduzir essas, digamos, sutilezas quantitativas, o autor introduz os “incrementos” mais e menos29, já chamados metaforicamente de “sílabas tensivas”30, partículas que produzem acréscimos e decréscimos de conteúdo a partir de suas simples combinações. Por exemplo, a combinação de mais com mais (mais mais) produz o “recrudescimento” de uma qualidade ou de uma grandeza. Se houver saturação de mais (somente mais), a continuação do processo só pode ser degressiva com a retirada de uma pequena porção desse mais (menos mais), operação lexicalizada como “atenuação”. As duas matérias sobre o suposto livro lançado ilustram a exacerbação da ascendência seguida de sua atenuação, já num regime descendente. Mas posso ainda ler uma resenha crítica que deprecia a obra hipotética equiparando-a ao que há de mais banal na literatura sobre o país. Essa diminuição drástica do seu grau de importância (intensidade) combinada com sua inclusão entre numerosos livros do mesmo gênero (extensidade) soam não apenas como subtração de mais, mas principalmente como acréscimo de menos (mais menos), caso típico da “minimização”. Se um crítico ainda mais severo “reduzir a nada” a publicação, como se diz algumas vezes, atingiremos o limite negativo (somente menos), a partir do qual só se pode evoluir retirando, agora, uma porção desse menos (menos menos). É quando se diz, por exemplo, que o livro não deve ser desprezado pois que, lido em outra chave, traz algum esclarecimento para a compreensão da nossa cultura. Essa avaliação que se mantém numa faixa negativa, mas inicia um processo ascendente é denominada “restabelecimento”, cujo progresso pode atingir novamente a faixa positiva e as manifestações elogiosas típicas do recrudescimento. E assim por diante. Propomos expressar o encadeamento dessas verdadeiras modulações aspectuais no quadro abaixo (fig. 2) :

Figura 2. Direções tensivas.

Figura 2. Direções tensivas.

2.3. Pensamento concessivo

Na realidade, as direções tensivas indicadas pelas flechas perfazem uma evolução implicativa muito próxima da sintaxe sugerida pela silabação : o elo implosivo leva ao fechamento da sonoridade que, necessariamente, terá de abrir-se em direção à soante, que, mais uma vez, tende ao fechamento etc. Aqui, também, a presença exclusiva do mais ou do menos pede, respectivamente, a atenuação (retirada de mais) ou o restabelecimento (retirada de menos), e mesmo a intensificação do elemento oposto (mais menos, na descendência, ou mais mais, na ascendência) para se chegar ao termo contrário e reiniciar o processo. Se esse encaminhamento desse conta de todos os casos de oscilação da intensidade, teríamos plena homogeneidade entre as sintaxes juntiva (implicativa) e intensiva. Acontece que a operação concessiva, como sempre, desorganiza essa lógica em pelo menos dois sentidos : i) ampliando as fronteiras do mais e do menos e ii) provocando saltos combinatórios entre os processos de ascendência e descendência.

Para explicar o primeiro caso, Zilberberg lança mão do conceito de “recursividade”. Nem sempre o recrudescimento leva de maneira automática à saturação, pois, em princípio, podemos recrudescer o próprio recrudescimento (prática bastante utilizada nas criações poéticas e nas artes em geral, mas que pode ser verificada em frases simples como : “embora já fosse muito rico, nos últimos tempos aumentou ainda mais a sua fortuna”), assim como podemos minimizar infinitamente a minimização (como fazem as ciências moleculares e a nanotecnia ou mesmo alguns relatos científicos : “embora considerado indivisível, o átomo foi fracionado em fins do século XIX”). Bem menos previsíveis, esses “excessos” acontecem com certa frequência e podem ser reconhecidos em diversos setores culturais.

No segundo caso, o autor considera as combinações “quanto mais... mais” e “quanto menos... menos” como proposições implicativas, já que temos simples adição, na primeira (“quanto mais estuda mais progride”), e subtração, na última (“quanto menos estuda menos progride”). As combinações “quanto menos... mais” e “quanto mais... menos”, porém, pelo aumento da distância juntiva, são geradas por manobras concessivas que dão origem a formas hiperbólicas e aceleradas de adição e de subtração. Sem abandonar a isotopia aritmética, o semioticista registra essas ocorrências como manifestações da multiplicação (“quanto menos estuda mais progride”) e da divisão (“quanto mais estuda menos progride”), operações que fazem sobrevir ao sujeito acontecimentos inesperados.

Essas equações elementares atingem também a sintaxe extensiva, que opera com os conceitos de triagem e mistura. Quando selecionamos, de acordo com alguns critérios, elementos que fazem parte de um conjunto desordenado ou, ao contrário, misturamos dados que decorrem de uma triagem anterior, estamos produzindo sintagmas implicativos : triagem da mistura ou mistura da triagem. Mas, novamente, podemos ir além dessa previsibilidade, triando ainda mais o que já havia sido triado ou misturando o que já era considerado mistura. Nesse caso, estaremos reencontrando as operações concessivas no plano da extensidade. Não é difícil, porém, distinguirmos aqui os mesmos recursos de aumento ou diminuição já comentados no plano da intensidade : misturar uma mistura equivale a recrudescer um recrudescimento, assim como triar uma triagem pode corresponder a minimizar uma minimização, o que mostra o grau de generalização que as direções ascendente e descendente podem adquirir no modelo semiótico de base. Outros saltos concessivos poderiam também ser praticados em frases como : “quanto mais tentamos organizar, mais as coisas se confundem”. O importante é detectar que há uma sintaxe juntiva (implicativa ou concessiva) controlando as sintaxes intensiva e extensiva e liberando o campo de presença para os pousos incertos dos acontecimentos.

Epílogo

A complexidade do modelo de Claude Zilberberg permite um número apreciável de leituras, todas revelando aspectos importantes da teoria tensiva. O recorte que propusemos aqui corresponde ao que o próprio autor denominou “prosodização do conteúdo”, projeto decorrente de sua incansável reflexão sobre as influências mútuas entre razão e poética na construção do sentido. Vimos que foi o modelo silábico de Saussure que mediou a conversão do conceito de foria em direções tensivas, dinamizadas pelos incrementos mais e menos, e que permitiu a nova hipótese de isomorfismo entre os planos da linguagem : implosão, acento e assomo passaram a ser noções indissociáveis entre si e analisáveis por oposição a explosão, modulação e resolução. Todas essas categorias podem hoje ser projetadas no já conhecido espaço tensivo que exibe valores culturais e outras grandezas resultantes do cruzamento da intensidade (incisividade / tenuidade) com a extensidade (concentração / difusão), mas podem também sofrer alterações inesperadas quando as operações concessivas de base prevalecem sobre as implicativas. Daí a importância do novo objeto de estudo semiótico, o acontecimento.

Note de bas de page 31 :

Cf. Gisèle Brelet, Le temps musical. Essai d’une esthétique nouvelle de la musique (2 vol.), Paris, P.U.F., 1949.

Temos assim, sem dúvida, o novo ponto de vista semiótico admitido por Zilberberg. A pergunta seria se não temos mais do que isso. As últimas análises concretas do autor passam ao largo dos conceitos semióticos consagrados por Greimas e sua equipe. Por outro lado, a metodologia tensiva, pacientemente construída, não abandona Saussure nem Hjelmslev, desde que em permanente diálogo com os aforismos de Paul Valéry, com o pensamento de autores como Ernst Cassirer, Gaston Bachelard, Heinrich Wölfflin, Blaise Pascal, Pierre Fontanier e, em sua fase derradeira, Gisèle Brelet31. Será que a fidelidade aos linguistas suíço e dinamarquês seria suficiente para manter o caráter greimasiano de suas pesquisas?

Note de bas de page 32 :

Ver entrevista concedida pelo autor de De l’Imperfection a Norma Tasca e Claude Zilberberg, “Entretien avec A.J. Greimas”, Cruzeiro Semiotico, 1988.

Há que se considerar que Zilberberg sempre esteve vinculado ao Grupo de Pesquisas Sêmio-linguísticas de Paris, liderado até o final dos anos 1980 pelo autor lituano-francês, e que, provavelmente, suas ideias inusitadas brotaram no âmbito dos famosos seminários promovidos pelo grupo. Além disso, foi indisfarçável o seu entusiasmo pelo lançamento de De l’Imperfection, obra em que Greimas se permitiu tratar de assuntos estéticos sem se ater aos manuais descritivos inspirados em sua própria teoria32. Era como se Greimas, o mesmo autor que estabeleceu uma razão coerente para os estudos semióticos, agora apresentasse a face poética da pesquisa. Cabia a ele, Zilberberg, assíduo representante das questões estéticas e sensíveis no grupo de Paris, desenvolver os fundamentos epistemológicos para esse novo empreendimento semiótico, ainda que num estilo de investigação e de escrita realmente distante do empregado pelo criador da semiótica.

Para fazer ciência na área de humanidades, Greimas sempre formou grupos de pesquisa que pudessem desenvolver suas hipóteses e colaborar com o seu projeto geral. À medida que seus princípios teóricos e seu modelo descritivo foram se impondo entre os estudiosos da significação, o autor foi deixando de lado as alusões aos precursores ou a novos autores que pudessem ter influência decisiva na evolução da teoria. Escrevia sempre com muita prudência e sobre temas bastante amadurecidos em sua mente, a tal ponto que seu renomado dicionário analítico de 1979, redigido em colaboração com Joseph Courtés, já apresentou uma interação orgânica dos conceitos tão bem elaborada que provocou na área uma apaziguadora sensação de que as linhas gerais da semiótica estavam definitivamente traçadas.

Note de bas de page 33 :

C. Zilberberg, “Relativité du rythme”, Protée, 18, 1, 1990.

Zilberberg jamais formou grupos de pesquisa sob sua orientação. Surpreendeu-se quando soube que havia semioticistas seguindo suas propostas em países da América Latina (em especial, Brasil, Peru e México). Ao contrário do seu mestre, ele foi sempre um citador compulsivo, um autêntico criador de precursores mesmo quando a coerência interna do próprio modelo parecia dispensar a existência de uma paternidade mais longínqua. Poderíamos pensar, em princípio, que a falta de vínculo com uma equipe de pesquisa voltada para os seus temas de interesse teria sido compensada por um grande elenco de “destinadores” que, selecionados para essa função de controle, validavam constantemente suas novas descobertas teóricas. Mas nada impede que se tratasse apenas de um estilo solitário de pesquisa que se construiu em interação constante com os escritores prediletos. Tudo indica que Zilberberg formulava os seus conceitos no decorrer da escrita e, se preciso fosse, reformulava-os no artigo seguinte sem que lamentasse o abandono de raciocínios altamente elaborados. Deixou de lado diversas categorias que pareciam fundamentais quando foram criadas — entre elas, a noção de “fazer missivo”, aqui comentada, e a refinada classificação dos tempos como “cronológico”, “rítmico”, “mnésico” e “cinemático”33 — em nome de outras, teoricamente mais rendosas para a semiótica geral, surgidas em textos mais recentes. Mesmo assim, a formação de um glossário, à maneira de Greimas e Hjelmslev, específico para o enfoque tensivo, foi um propósito cada vez mais definido na trajetória de Zilberberg. Seus últimos livros reservaram um capítulo para a afinação desses conceitos.

Se a linguística europeia moderna foi inaugurada por Saussure e sistematizada por Hjelmslev, a semiótica já nasceu sistematizada por Greimas, até que foi reinaugurada por Zilberberg, embora ele próprio não admitisse tal transformação.

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