Migração de retorno: fator de conflitos pessoais e familiares Revenir vers son pays d’origine. Migration : facteur de conflits personnels et familiaux

Francisca Bezerra De Souza 
et Luciane Pinho de Almeida 

https://doi.org/10.25965/dire.549

L'immigrant se heurte souvent à des conflits liés aux différences culturelles vécues dans le pays de destination. Mais, lorsqu´il décide de retourner dans son pays d'origine, il éprouve également des difficultés liées à sa réadaptation. C’est le cas des femmesdekasseguisbrésiliennes qui émigrèrent au Japon et qui, à leur retour au Brésil, notamment dans la dernière décennie, se heurtèrent à un certain nombre de difficultés.Cette étude présente une partie des résultats des recherches menées auprès des 15 femmesdekasseguisqui ont quitté le Japon pour revenir à Campo Grande - état du Mato Grosso do Sul. Notre recherche s’appuie sur une approche qualitative afin d'identifier, à travers l'histoire orale de ces femmes,les problèmes qu’elles ont rencontré pendant leur processus de migration, notamment les conflits familiaux, sociaux et culturels qui ont impactée leur vie quotidienne, ont rendu leur adaptation difficile et les ont même obligé, pour un certain nombre d’entre elles, à entreprendre «le chemin du retour» parce qu´elles ne se sentaient plus en phase avec leur pays d'origine.

O imigrante muitas vezes se depara com conflitos relacionados às diferenças culturais vivenciadas no país de destino, todavia ao decidir retornar ao seu país de origem, também o leva a vivenciar dificuldades em sua readaptação. A migração de retorno tem sido intensa na última década no Brasil, porém traz algumas problemáticas em seu âmbito, especificamente por mulheres dekasseguis brasileiras que emigraram para o Japão. Assim este estudo apresenta os principais resultados da pesquisa realizada sobre a migração de retorno feminino de dekasseguis do Japão com 15 mulheres dekasseguis que retornaram à cidade de Campo Grande - Estado de Mato Grosso do Sul. A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa buscando identificar por meio da história oral construída utilizando-se de entrevistas com as mulheres dekasseguis e as problemáticas enfrentadas durante o processo migratório.Os resultados versam sobre os conflitos familiares e sociais vivenciados no retorno ao país de origem. Apontam ainda os conflitos culturais vivenciados pelas mulheres dekasseguis retornadas e que impactam no cotidiano de  suas vidas e com isso dificultando sua adaptação, levando muitas fazer ao “caminho de volta” por não se ver mais como pertencente ao seu país de origem.

Sommaire
Texte intégral

Introdução

Note de bas de page 1 :

 Dekassegui significa aquele que trabalha longe de casa e é resultado da junção de deru (sair) e kasegu (lucrar), embora possa ser empregado para qualquer pessoa que busca trabalho longe de casa, o termo foi utilizado para designar os japoneses que moravam em Okinawa e Hokkaido e saíam em direção aos grandes centros do Japão

O presente artigo constitui-se parte da pesquisa realizada com mulheres dekasseguis1 que retornaram do Japão nessa última década para o município de Campo Grande, MS, Brasil, no entanto, para falar sobre essa migração de retorno, se faz necessário entender o cenário em que ocorreu a migração para o Japão em busca de trabalho, pois, com o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização, o Brasil entra na esteira da imigração de brasileiros no enfrentamento à crise financeira que se instalava no país, período este que Sales (1999) denomina de a “década perdida”. O país presenciava momentos diferentes daquele que recebia imigrantes para aquele que ‘exportava’, porém de uma forma perversa, pois “começa a exportar o que há de melhor em seu território, que é sua própria população”, ressaltando que eram homens e mulheres que tinham recebido investimento em saúde e educação e, no momento “[...] mais precioso de suas vidas, vão realizar alhures um trabalho geralmente aquém de sua qualificação profissional.”(SALES, 1999, p. 14).

Nesse contexto de emigração, significativo número de brasileiros descendentes de japoneses realizou o caminho inverso ao de seus ancestrais e foram para o Japão com o objetivo de juntar economias e ter melhores condições de vida, uma vez que o país passava por crise política e econômica. Podemos ressaltar que essa realidade esteve muito presente em Campo Grande, MS, devido ao grande número de brasileiros descendentes de japoneses que residem na cidade, como foi dito acima.

Observa-se nesse período uma “febre” de descendentes japoneses indo para o Japão iniciando o movimento dekassegui, levando milhares de brasileiros às fábricas japonesas para fazer o trabalho que o nativo já não queria mais fazer. Esse movimento teve início no final da década de 1980 e início da década de 1990, quando atingiu seu ponto máximo de saída de brasileiros em direção à terra do sol nascente.

Note de bas de page 2 :

 Nagasaki- nome dado a uma das participantes e para preservar o sigilo e evitar identificá-la por número optou-se por nominá-la com o nome das províncias do Japão. Todas as demais participantes foram nominadas obedecendo ao mesmo critério.

Dessa forma, o final da década de 1980 foi marcado por um intenso fluxo migratório de dekasseguis em direção ao Japão. É nessa esteira que se insere a história das participantes desta pesquisa, que também foram em busca do “milagre japonês”, ou seja, ir trabalhar por um tempo, ganhar dinheiro rápido e voltar para o Brasil, conforme confirma Nagasaki:2 “Então,tava aquela febre de todo mundo ir para o Japão, 1989, 90, mais ou menos [...] todo mundo se preparando para ir para o Japão[...] (Nagasaki)”.

Vale ressaltar que, no contexto das migrações contemporâneas para o trabalho, é cada vez mais efetiva a participação da mulher no movimento imigratório. Isso tem levado ao crescimento de estudos e debates, na tentativa de tirar da invisibilidade a imigração de mulheres. Estudiosos já apontam para o fenômeno da “feminização da migração”, o que faz com que se desmistifique a migração como própria do sexo masculino, incorporando-se as mulheres com suas experiências migratórias, assim contribuindo para o avanço dos estudos sobre a temática.

Destaca-se que entre os motivos que fez com que mulheres descendentes de japoneses emigrassem para o Japão na qualidade de dekasseguis, o trabalho apresenta-se como fator fundante devido à necessidade de manter-se e a sua família que ficara no Brasil, dessa forma foram para as fábricas japonesas na expectativa de juntar economias e, no retorno, montar um negócio próprio e seguir a vida de forma tranqüila.

O processo migratório de mulheres dekasseguis, desde a decisão de emigrar até o momento de retornar, é permeados por conflitos pessoais e familiares, pois, ao idealizar o país de destino como familiar por ser o país de seus ancestrais, pode levar a minimizar os problemas que são inerentes ao fato de estar em outro país com uma cultura diferente e por não dominar a língua nativa do país de destino e ainda estar distante de seus familiares (pais, maridos e filhos) e de seu país.

Cenário e participantes da pesquisa

Note de bas de page 3 :

 Mato Grosso do Sul, depois de São Paulo e Paraná, aparece como o terceiro estado que há mais concentração de nipo-brasileiros, conforme matéria publicada: Onde estão os nipo-brasileiros. Confira a distribuição da população de japoneses e seus descendentes pelos Estados desde 1960. Documento eletrônico disponível em: http://www.estadao.com.br/especiais/onde-estao-os-nipo-brasileiros,17316.htm. Acesso em 29 de julho de 2013 as 12h45.

A pesquisa que deu origem a esse estudo é intitulada: “A FACE FEMININA DA MIGRAÇÃO DE RETORNO DE DEKASSEGUIS: PROCESSO DE ADAPTAÇÃO E SUAS PROBLEMÁTICAS” e se realizou junto ao Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB.  É importante ressaltar que Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, possui a terceira maior comunidade nipônica nacional3, porém há carência de estudos sobre o retorno de descendentes de japoneses ao município e especificamente como ocorre o processo de adaptação de mulheres dekasseguis e suas problemáticas no retorno ao país, notadamente por ser um fenômeno novo.

A investigação teve como abordagem os pressupostos do método qualitativo, pois segundo Minayo (2002, p. 21), “a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificada”.

O acesso às questões particulares ocorreu por meio da abordagem sócio histórica ao considerar que essa mulher migrante dekassegui é um ser que estabelece relação com o mundo em que vive conforme Aguiar (2009, p. 130):

Assim, falamos de um homem que se constitui numa relação dialética com o social e a história, um homem que, ao mesmo tempo, é único, singular e histórico, um homem que se constitui através de uma relação de exclusão e inclusão, ou seja, ao mesmo tempo em que se distingue da realidade social, não se dilui nela, uma vez que são diferentes.

Partindo da história oral das participantes da pesquisa, o momento analítico possibilitou uma reflexão geral sobre os depoimentos produzidos e apreensão de seus significados numa perspectiva sócio-histórica, abordagem essa que enfatiza a compeensão dos fenômenos a partir do acontecimento histórico considerando o particular como uma instância de totalidade social e vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos, portanto, dialógica, considerando o pesquisador como parte integrante do processo investigativo.

A investigação se deu por meio de entrevistas nas quais as participantes relataram as suas histórias de vida do período em que empreenderam o processo de emigração para o Japão até o momento em que retornaram ao país e passaram a vivenciar as problemáticas de dificuldade de adaptação, bem como relataram os conflitos pessoais e familiares existentes ao longo do período de emigração e retorno.

Note de bas de page 4 :

 Nisseis-filhas de japoneses e sanseis- netas de japoneses.

As 15 mulheres dekasseguis, foram identificadas por meio da técnica snowball, ou seja, a partir de indicações de terceiros e das próprias entrevistadas foi-se formando o universo da investigação, sendo que as mesmas são nisseis e sanseis4, e fora composto de aproximadamente cinqüenta por cento de mulheres na faixa etária abaixo de 40 anos e a outra metade composto por mulheres com idade entre 40 e 60 anos na ocasião da entrevista que ocorreu no final de 2012 e início de 2013.

A investigação apresentou como problemática a dificuldade de adaptação na migração de retorno feminino de dekasseguis, relacionadas à questão dos conflitos familiares seja como elemento motivador da migração como, por exemplo, migrar em busca de trabalho para prover o sustento da família, seja por dificuldade nas relações familiares e ao emigrar, supostamente distancia-se dos problemas vivenciados no contexto familiar. A pesquisa revelou que os conflitos sócio familiares e culturais ocorrem em todo processo migratório, ou seja, quando se emigra e quando há a migração de retorno, como veremos a seguir:

Conflitos pessoais e familiares vivenciados por mulheres dekasseguis: principais resultados

Os conflitos vivenciados pelas mulheres dekasseguis passa primeiramente por questões de adaptação a uma cultura (japonesa) que não é a sua, considerando que são brasileiras e apesar de serem descendentes de japoneses nasceram e viveram até o momento da migração, no Brasil.

Entre as que emigraram para o Japão no início do movimento dekassegui (final de 1980), os conflitos gerados foram em função da ausência de informações sobre o que encontraria no Japão, pois as viagens eram agenciadas por empresas que além de não trazerem informações concretas sobre o cenário que encontrariam no país de destino, os dekasseguis ainda tinham como agravante o fato de não saber falar a língua nativa e com isso os sentimentos geravam estresse em decorrência da insegurança e do medo do desconhecido.

Conforme diz Nagazaki, que ao chegar ao Japão questionava-se “o que é que eu to fazendo aqui?, mas como havia viajado com a passagem financiada pela agência de recrutamento, nada podia ser feito enquanto não quitasse a dívida contraída e toda e qualquer situação que ocorresse deveria aguardar o dia seguinte para então falar com o responsável pela empresa, que buscaria a solução da dificuldade.

Já Kioto que emigrou no início de 1990, no auge da “febre” de ir para o Japão, relatou que seu maior conflito e que gerou sofrimento foi o fato de ter que deixar os filhos e o marido no Brasil enquanto permaneceria no Japão trabalhando, inicialmente, como acompanhante de pacientes terminais em hospital, mas que por outro lado, o fato de dominar a língua japonesa que aprendeu ainda menina, pois o pai a obrigava a estudar e diz que ele dizia: “[...] você nasceu aqui no Brasil, mas a cara é de japonês, é filho de japonês, tem que aprender a ler e escrever”, contribuiu para minimizar as dificuldades que vivenciou durante o período em que esteve no Japão.

Note de bas de page 5 :

 Apesar das mudanças ocorridas na acomodação entre o novo e o tradicional, o ideal da mulher japonesa como “boa esposa e mão sábia” pouco mudou e, em certos aspectos, foi acentuado. (SAKURAI, 2007, p. 312)

Segundo a tradição cultural japonesa, o papel que cabe à mulher é restrito ao interior e o mundo exterior pertence ao marido5, deixar os filhos para ela significou abrir mão desse papel que culturalmente é atribuído à mulher, mas que por outro lado fez com que refletisse após certo tempo trabalhando no Japão que era preciso retornar para passar aos filhos valores que com a separação estavam sendo deixados de lado na educação dos filhos, conforme diz: “[...] tá na hora de mostrar também por lado deles pra ver quanto é difícil você ganhar um real...[...]”.

Note de bas de page 6 :

 Kioto emigrou pela primeira vez em 1992, retornou em 1995, emigrou novamente em 2006 e seu último retorno ao Brasil foi em 2011 e na ocasião da entrevista tinha 67 anos e continua desenvolvendo atividades junto a comunidade Nikkei em Campo Grande, MS.

Assim, após três anos retornou ao  Brasil com a finalidade de acompanhar os filhos e em um espaço de dez anos6 permaneceu com eles e depois que estavam na universidade retornou novamente ao Japão, desta vez com a finalidade de,  “Quero conhecer terra dos meus pais”. Todavia, ficou pouco tempo, pois no Japão o acesso aos serviços de saúde é limitado a acidentes de trabalho e os tratamentos de saúde são caríssimos e como teve problemas nas mãos quando estava trabalhando em lavanderia, todo dinheiro economizado foi utilizado para o tratamento de saúde, até o momento em que não foi possível permanecer, retornando ao país para fazer o tratamento.

Note de bas de page 7 :

 A família de Nagoya é composta por pai, mãe e uma irmã. Tinham uma banca na Feira Central de Campo Grande, que após a mudança do comércio de lugar, resolveram vender e aplicar o dinheiro na compra de passagens para irem para o Japão e ficar por três anos trabalhando e ao retornar, além de comprar a casa própria,  montariam outro negócio onde trabalharia toda a família.

Situação complexa foi vivenciada por Nagoya que reflete a situação familiar7 que devido às dificuldades financeiras apostaram tudo no processo de emigrar como dekassegui para trabalhar. Os conflitos maiores ocorreram quando ao conseguir emprego em uma fábrica passou a desempenhar função que demandava responsabilidades que eram atribuídas aos líderes, mas que: “[...] você é menor e outra: você não é japonês!”, além da questão de gênero, pois desempenhava cargos que comumente eram destinados aos homens.

Todos esses conflitos começaram a gerar insatisfação pessoal e a refletir nas relações com sua família que havia acordado que: “[...] vamos todos juntos e retornamos todos juntos, pra não haver essa divisão familiar que sempre há: filhos aqui e pais lá ou vice e versa.” Assim a família,diante da situação de insatisfação da filha e temendo que a ela adoecesse, optou por retornar ao Brasil, conforme combinado.

Note de bas de page 8 :

 lúpus[uma doença autoimune e não contagiosa caracterizada por um desequilíbrio do sistema de defesa do organismo[...]  É um doença difícil de ser diagnosticada pois tem causa desconhecida. Sabe-se que é mais freqüente nas mulheres e possui forte influência genética. Ainda não tem cura. Os doentes podem levar uma vida normal, desde que tenham um adequado acompanhamento médico.  http://www.significados.com.br/lupus/acesso em 27 de março de 2013.as 09:45 ].

Ser mulher, migrante, mãe e dekassegui no Japão fez com que Saytama  vivenciasse diversos conflitos em relação aos parentes (mãe e irmãos) que ficaram no Brasil, cuidados com o pai e os irmãos que foram em sua companhia para o Japão e principalmente a dissolução de dois casamentos que contraiu durante o processo migratório e até desenvolvesse Lupus8 o que a levou a retornar ao Brasil algumas vezes para fazer o tratamento, pois no Japão não tinha acesso ao tratamento, pois como já foi dito anteriormente, o plano de saúde para os trabalhadores no Japão é restrito para cobertura de acidente de trabalho.

Saytama emigrou pela primeira vez em 1991 na companhia do pai que havia perdido tudo por conta de um negócio que não deu certo. A mãe ficou com um irmão no Brasil e pouco tempo depois adoeceu (acidente vascular cerebral) e como única filha retornou em 1995 para se dedicar aos cuidados com ela. No retorno ao Japão em 2000, casou-se novamente e teve dois filhos. Em 2008 retornou devido ao agravamento do estado de saúde da mãe que faleceu em 2011. Recentemente o marido que havia ficado no Japão, retornou ao Brasil, porém havia trouxe em sua companhia uma nova esposa.

Dessa forma, pode-se refletir que o trabalho como dekassegui no Japão exige da mulher uma carga maior de responsabilidade como foi o caso de Saytama, que além do trabalho nas fábricas, ainda se ocupava dos cuidados com o pai, irmãos que moravam com ela no Japão e as preocupações com a mãe doente no Brasil. Assim, em um período aproximado de 20 anos passou por diversos momentos de conflitos pessoas e familiares como pode-se observar acima e por último, agora com os filhos em idade escolar, voltar significa garantir aos filhos a educação formal que no Japão não seria possível, pois na cultura japonesa prioriza-se o ensino formal em língua japonesa em detrimento do ensino em escola para brasileiros que para eles não tem reconhecimento.

Essa problemática em relação à educação formal de filhos de brasileiros nascidos no Japão tem sido motivo de estudos por parte de pesquisadores que buscam identificar formas de contribuir com a minimização dos problemas decorrentes disso, uma vez que estando no Japão, as crianças enfrentam duas situações conflituosas: se estudam em escolas japonesas e os pais retornam para o Brasil apresentam dificuldade de adaptação às escolas no Brasil e muitas vezes têm que cursar a série equivalente novamente, pois algumas disciplinas como é o caso de História e Geografia do Brasil são específicas e se os pais resolvem permanecer no Japão e os filhos estudam em escolas brasileiras para preservar as questões culturais brasileiras, esse ensino não é reconhecido no Japão, criando-se assim conflitos constantes entre permanecer no Japão ou retornar ao Brasil.

Fukuoka que, antes de concluir o ensino médio no Brasil, emigrou para o Japão em companhia da irmã para se encontrar com a mãe que já estava lá. Foi pela primeira vez em 2005, permaneceu por um ano, teve problemas de adaptação no primeiro ano e retornou em 2006  “ fiquei um ano lá e retornei para o Brasil, pra passear, ver os familiares e retornei pra lá de novo”. Retornou ao Japão no mesmo ano e lá permaneceu por mais cinco anos e em 2011 resolveu voltar ao Brasil para estudar, mas ao chegar aqui se surpreende:  “ Na verdade eu vim pra estudar , [....].  Aí eu pretendo retornar. Eu achei muito estranho aqui, assim que eu cheguei...”. Dessa forma pode-se caracterizar essa mobilidade como conflito constante entre culturas distintas e isso retarda o processo de adaptação ao país de destino, quando resolve permanecer ou de readaptação quando decide-se por migração de retorno ao país de origem.

Para Sayad (1998) o provisório e o duradouro é uma das características fundamentais da imigração e que contribui para dissimular a própria verdade e leva a uma dupla contradição quando afirma:  “Não se sabe mais se se trata de um estado provisório que se gosta de prolongar indefinidamente ou ao contrário, se se trata de um estado mais duradouro mas que se gosta de viver com um intenso sentimento de provisoriedade”.(SAYAD, 1998, p. 45).

Para Fukuoka esse sentimento de estar provisório aqui e lá reflete os estranhamentos vivenciados em virtude das perdas que teve no período de emigração que já dura aproximadamente seis anos e mesmo com toda a situação de dificuldade pela qual passa o Japão a mobilidade entre os dois lugares se revela na sua fala, pois já não se sente mais vivendo no Brasil e a única coisa que a prende por aqui, por enquanto é a irmã e a avó que é japonesa.

Considerações finais

Ao emigrar em busca de trabalho para um país distante e desconhecido, costuma-se se cercar de cuidados na tentativa de antecipar soluções para prováveis dificuldades que podem acontecer, porém ao empreender o retorno há ilusão de que basta chegar ao seu país para se sentir novamente em casa, mas não é isso que ocorre, pois se observa que na ida para o Japão leva-se cerca de seis meses para se adaptar, mas na volta ao país de origem, Brasil, os dekasseguis levam cerca de dois anos para se readaptarem.

Das falas apresentadas, depreende-se que as emigrantes foram em busca de trabalho com o objetivo de ganhar dinheiro e retornar com a possibilidade de arbitrar sobre novos rumos para sua vida, porém percebe-se que além das dificuldades de adaptação, as condições que sonhou encontrar foram diferentes e isso gerou dor e sofrimento havendo, no período em que lá permaneceu, a “perda” de etapas da vida que não poderão ser recuperadas.

Reflete as mudanças no mundo do trabalho que se torna precário e com ausência de perspectivas para que o trabalhador tenha condições dignas de vida, tanto no país de origem por não oferecer inserção no trabalho, quanto no país de destino por oferecer postos de trabalho terceirizados e em forma de contratos que não oferece garantias básicas aos trabalhadores que vivem a insegurança do desemprego.

Portanto, estudar a migração na contemporaneidade requer uma nova configuração teórica, pois se deve considerar o crescimento da migração de mulheres em busca de trabalho e que esse movimento feminino, requer um olhar específico para os novos arranjos familiares que são construídos a partir da e/imigração de mulheres no cenário mundial, onde já não mais se limita a acompanhar os pais, o marido, mas sim se torna protagonista do projeto de migração.

Pode-se inferir que ser mulher dekassegui no Japão é viver constantes conflitos, seja no desempenho de tarefas que lhe são dadas como as de estigma feminino como o cuidado do outro (pai, mãe, irmão e filhos), seja enfrentando os valores culturais que são dados a uma mulher em terra estrangeira que carrega valores de duas culturas (ocidental e oriental). Todavia, à mulher dekassegui migrante no Japão são destinados trabalhos que são executados tanto por homens como por mulheres, mas que para elas a remuneração é sempre menor do que a do homem dekassegui e o reconhecimento pelo trabalho para ambos são inexistentes.

Observa-se que ao empreender o processo migratório as perdas são inevitáveis, pois as famílias são separadas e a distância física quando se vive em países com distâncias geográficas como ocorre entre Brasil e Japão, pois àquele que parte vai à certeza de que em breve voltará, porém esse tempo pode durar um tempo determinado, mas também pode durar uma vida inteira quando o sonho com o país de destino que idealizou não se concretizou e voltar significa rever valores e conceitos que já não são aceitos quando se vive uma cultura diferente da sua, gerando dificuldades de adaptação e a sensação de que não há como “voltar atrás”, pois o tempo passou, as pessoas mudaram e a própria pessoa que migra já se vê como outra pessoa.

Sabe-se que a abordagem em um artigo não é suficiente e nem tampouco satisfatório para responder as questões que emergem do estudo, mas já é possível prever que problemas sociais surgirão em relação a essa demanda de retornados, não só dos participantes da pesquisa, em relação à inserção no mercado de trabalho, adaptação dos filhos (nascidos e alfabetizados no Japão), condições para que permaneçam no país e outras questões inerentes ao processo de retorno desses brasileiros.