Os enquadramentos midiáticos de uma tragédia anunciada pela mineração The media frameworks of a tragedy announced by mining

Viviane Amélia Ribeiro Cardoso 

https://doi.org/10.25965/trahs.2019

Este artigo busca apontar os enquadramentos noticiosos do jornal O Tempo, importante periódico em Minas Gerais, sobre o rompimento da barragem de minério de ferro pertencente a mineradora Vale S.A na região de Brumadinho – MG. Procuramos identificar as narrativas produzidas sobre quais vozes foram utilizadas pela mídia e como foram utilizadas. A metodologia emprega-se sobre a análise de conteúdo de Laurence Bardin (2008) no aspecto quali-quantitativo por meio da contabilização do uso das fontes (AMARAL, 2015). O corpus de análise compreendeu as notícias do portal online O Tempo, no período dos dias 25 a 31 de janeiro de 2019, contabilizando 522 reportagens. Destacam-se, o uso excessivo das fontes de autoridade, associado a espetacularização e a narrativa sobre a importância econômica do setor mineral na região; o silenciamento de outras vozes e à superficialidade da cobertura ao tratar das testemunhas, sem abordagem devida da complexidade de situações críticas que envolvem a justiça socioambiental.

Cet article traite des informations relevées sur le journal O Tempo, important périodique du Minas Gerais, sur la rupture du barrage de minerai de fer appartenant à la société minière Vale S.A dans la région de Brumadinho – MG, à partir de l’identification des témoignages utilisés par les médias et la façon dont ils ont été utilisés. La méthodologie utilisée part de l'analyse de contenu de Laurence Bardin (2008) sur l'aspect quali-quantitatif en tenant compte de l'utilisation des sources (AMARAL, 2015). Le corpus d'analyse comprend la transmission des informations via le portail en ligne du journal O Tempo, du 25 au 31 janvier 2019, pour un total de 522 reportages. On notera l'utilisation excessive des sources institutionnelles, l’association du sensationnel et du récit relatif à l'importance économique du secteur dans la région; le silence des autres voix et le caractère superficiel de la couverture médiatique lorsqu'il s'agit de témoins, sans que soit abordée correctement la complexité des situations critiques impliquant la justice socio-environnementale.

Este artículo tiene como objetivo señalar los encuadres de noticias del periódico O Tempo, un periódico importante en Minas Gerais, sobre la ruptura de la presa de mineral de hierro perteneciente a la empresa minera Vale S.A en la región de Brumadinho - MG. Intentamos identificar las narrativas producidas sobre qué voces fueron utilizadas por los medios y cómo fueron utilizadas. La metodología se utiliza en el análisis de contenido de Laurence Bardin (2008) en el aspecto cualitativo cuantitativo al tener en cuenta el uso de fuentes (AMARAL, 2015). El corpus de análisis comprendió la transmisión de noticias a través del portal en línea del periódico O Tempo, del 25 al 31 de enero de 2019, que representa 522 informes. Cabe destacar el uso excesivo de fuentes de autoridad, asociado con la espectacularización y la narrativa sobre la importancia económica del sector en la región; el silenciamiento de otras voces y la superficialidad de la cobertura cuando se trata con testigos, sin abordar adecuadamente la complejidad de las situaciones críticas que involucran la justicia socioambiental.

This article aims to point out the news framings of the newspaper O Tempo, an important periodical in Minas Gerais, about the rupture of the iron ore dam belonging to the mining company Vale S.A in the region of Brumadinho - MG. We tried to identify the narratives produced about which voices were used by the media and how they were used. The methodology is used on the content analysis of Laurence Bardin (2008) in the qualitative and quantitative aspects by accounting for the use of sources (AMARAL, 2015). The corpus of analysis comprised the transmission of news through the online portal of the newspaper O Tempo, from January 25 to 31, 2019, accounting for 522 reports. Noteworthy is the excessive use of sources of authority, associated with spectacularization and the narrative about the economic importance of the sector in the region; the silencing of other voices and the superficiality of coverage when dealing with witnesses, without properly addressing the complexity of critical situations involving socio-environmental justice.

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Introdução

O ano de 2019 esteve sobre inúmeros contextos de crise, principalmente ao aspecto que remete as questões ambientais. Sabemos que a temática deixou de ser apenas um assunto secundário para permear sobre a política, a economia e os espaços midiáticos em diferentes disputas narrativas.

Ao receber a visibilidade destinada ao tema, temos portanto, uma relação de poderes a fim de garantir a estabilidade de uma compreensão que corresponda a uma percepção do cuidar do meio ambiente ao mesmo tempo em que se mantém a mesma lógica que a destrói.

Neste aspecto, a modernidade marcada pelas mudanças climáticas, incêndios, desmatamento, crimes ambientais e o desmonte das políticas públicas socioambientais, ressalta-se a importância de se compreender os espaços de comunicação sobre as vozes que recebem visibilidade neste contexto e como são demonstradas pela mídia tradicional.

Os casos como os dos rompimentos de barragens de minério de ferro, que assolaram o estado de Minas Gerais, estão sobre a perspectiva de narrativas hegemônicas onde as forças econômicas e políticas sobressaem os efeitos do risco e do medo. Constantes desastres como foi em Mariana-MG em 2015 e logo, na região de Brumadinho-MG em janeiro de 2019, denotam estratégias capazes de legitimarem uma produção econômica de exploração e silenciar seus impactos como também observar os poucos espaços utilizados pelos grupos de atingidos e seus representantes na divulgação da luta por justiça socioambiental.

Sendo assim, este artigo tem como objetivo analisar a cobertura noticiosa dada pelo jornal O Tempo, importante periódico em Minas Gerais, durante a primeira semana após o rompimento da Barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho-MG. Sendo assim, procuramos responder a seguinte pergunta: quais foram as vozes da cobertura noticiosa sobre o rompimento da barragem do Córrego do Feijão? Como elas foram enquadradas durante a repercussão midiática?

Conceitos como o do enquadramento noticioso serão importantes para a compreensão de como a temática ambiental passa a ser representada pela mídia neste contexto de crise. A metodologia da análise de conteúdo de Laurence Bardin (2008) tornou possível o aspecto quali-quantitativo da pesquisa, como corpus de análise temos as notícias vinculadas pelo portal online do jornal O Tempo durante o período que corresponde aos dias 25 a 31 de janeiro de 2019, contabilizando no total 522 reportagens.

Utilizamos como categorias, o estudo das fontes proposta por Amaral (2015), divididas entre: fontes autorizadas; fontes especialistas; fontes testemunhais e; fontes anônimas.

Neste embate narrativo, múltiplos processos de construção de uma notícia podem produzir significações, sentido e podendo ou não contribuir para um agir político. As organizações, como a Vale S.A, responsável pela barragem que se rompeu em Brumadinho – MG, e até mesmo as representações políticas da região, passam a manifestar-se sobre os meios de comunicação permitindo uma compreensão social do caso a partir de mecanismos simbólicos sobre a construção de um discurso perante o acontecimento.

Globalização, meio ambiente e o processo de formação da notícia

A temática ambiental na mídia se insere sobre as marcas de uma globalização econômica, uma mundialização da cultura e de novas perspectivas a partir da era digital.

A inserção tecnológica cada vez mais onipresente no cotidiano social apresenta o deslumbramento da instantaneidade entre a transmissão e recepção de palavras, sons e imagens, com o ideal de atingir diferentes mundos. Milton Santos (2004) manifesta este pensamento sobre a contemporaneamente, em que ser atual ou eficaz reina nos parâmetros da necessidade da sociedade, a pressa seria então uma virtude e os demais não incluídos, são arrastados a participar incompletamente dessa produção da história.

Nesta perspectiva, os estudos de Milton Santos (2001) trazem contribuições ao olhar pela ótica da globalização e os meios de comunicação. O geógrafo distingue o mundo em três partes: a primeira parte ou a globalização como fábula, seria o mundo como nos fazem vê-lo, ou seja, a sensação do encurtamento de distâncias, a concepção da instantaneidade como algo que realmente nos informa, mas que ao mesmo tempo nos implica a visão de um mundo homogêneo sem o aprofundamento de suas diferenças locais tão enraizadas. A segunda parte seria o mundo tal como ele é, ou a globalização como perversidade, este conceito esclarecido pelo autor, nos apresenta a perversidade sistêmica da humanidade com uma adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atuam sobre as ações hegemônicas da sociedade. Para Milton Santos (2001) estes dois mundos representam a fragmentação de um discurso único na percepção de uma produção econômica com inúmeras implicações nas visões históricas contemporâneas, na cultura de massa e no mercado global.

Portanto, a terceira parte ou o mundo como ele pode ser, é descrito por Milton Santos (2001) como uma outra globalização, ou seja, aquele designado a produção de um novo discurso, de uma nova metanarrativa ou um grande relato, sendo ela designada pela visão da enorme mistura de povos, raças, culturas e gostos em detrimento do racionalismo eurocêntrico. Para o autor, este novo discurso ganharia relevância pelo fato do homem constatar a existência de uma universalidade empírica.

Martín-Barbero (2009) por sua vez, sugere que a partir da globalização, com uma estrutura econômica capitalista dimensionando uma proposta cultural pela sedução tecnológica e incitação ao consumo, homogeneizou-se os estilos de vida desejáveis capazes de banir o regional, o local e nacional para algo defasado, ultrapassado ou de menor valor, incorporando nesta lógica, conteúdos sociais a partir da cultura do espetáculo pela visibilidade e legitimidade.

Estas características estão também sobre a formação de uma notícia, ou seja os critérios de noticiabilidade, o que se pode chamar de valores-notícia. Motta (2002) orienta estes critérios sobre aquilo que será selecionado ou destacado como notícia, neste sentido, para que um determinado fato seja noticiado, deve-se apresentar seus níveis de impacto, proximidade com o público, envolvimento, novidade e interesse. Esses valores também se operam sobre as práticas profissionais das redações, sugerindo o que será escolhido, omitido e realçado.

Carvalho (2010) argumenta que a maneira de afetar também se difere da experiência daqueles que vivenciam o acontecimento como parte da vida coletiva, onde nem todos terão uma mesma experiência sobre um mesmo fato. Assim, o acontecimento possui também uma lógica hermenêutica de interpretar os diversos eventos noticiados.

Se a mídia destaca e determina os aspectos para o público, o público, então, passa a contribuir quanto à relevância do acontecimento a partir do consumo da notícia, por essa premissa, estudada inicialmente por Lippmann (1992) e destacada como a teoria do agendamento por McCombs (2009), considera que as preocupações da agenda pública são tratadas em uma realidade secundária, uma realidade construída e estruturada pelos relatos jornalísticos que destacam determinados eventos e situações focando a nossa atenção e influenciando nas percepções daquilo que se torna mais importante no momento.

Por essa concepção, os veículos noticiosos são nossas janelas para entender e compreender o mundo além de nossa experiência direta, determinam nossos mapas cognitivos daquele mundo específico, em que a opinião pública responde sobre este pseudoambiente construído pela mídia (McCombs, 2009).

A relação existente entre a organização do mundo a partir da audiência e através do agendamento nos auxilia a compreender sobre o conceito de enquadramento noticioso ou enquadramento midiático, que possui como princípios a seleção, ênfase e exclusão de determinados temas usados nas rotinas jornalísticas como forma de organizar os discursos. Assim, a recepção da notícia se baseia nos enquadramentos e também em questões culturais, experiências subjetivas e o grau de exposição aos meios de comunicação, aspectos que permeiam a formação da opinião pública e a construção de sentido.

O sociólogo Erving Goffman (1974) foi um os primeiros a articularem o conceito baseado nos trabalhos de Gregory Bateson, partindo para uma análise mais sistemática do que seriam os enquadramentos. Vimieiro (2010) compreende os enquadramentos a partir dos estudos de Goffman (1974) baseado em uma organização da realidade, permitindo rotular um número infinito de ocorrências concretas, sendo possível, assim, o indivíduo se orientar, identificar e perceber diversas situações sociais. Portanto, enquadrar estaria no ato e na maneira de organizar o entendimento do mundo.

A mídia, ao manifestar sua representação da realidade, optando por certas palavras-chave ou escolhas de imagens, reforça uma alternativa de elementos a partir do enquadramento, dando que desencadeia sentimentos e percepções diferentes sobre um tema agendado e uma notícia relacionada. Assim, o enquadramento noticioso estaria sobre a organização do discurso de um tema pela mídia, um modelo de interpretação e seleção sobre o que será destacado ou excluído combinando com o que entendemos no mundo: nossas janelas interpretativas.

A temática ambiental na mídia em um contexto de crise

A maneira como a temática ambiental começa a ganhar relevância pelos meios de comunicação tem como principal porta de entrada a imagem que garante o impacto ao público, como os desastres e catástrofes. Essa concepção, no entanto, tem uma relação direta com os aspectos nos quais sucedem os maiores impactos ambientais noticiados pela mídia, ou seja, as forças econômicas, políticas e sociais (López, 1999 apud Amaral, 2014).

Os estudos de Amaral (2010) contextualizam os enquadramentos que envolvem a natureza sobre uma modificação ao passar do tempo, onde as grandes narrativas dos desastres estiveram sobre a concepção de uma natureza imprevisível e fatal, desconsiderando as interferências humanas, passíveis de se incluir a injustiça, os culpados e as falhas de setores públicos e privados.

Para Vaz e Rony (2011) catástrofes ambientais estiveram sobre uma narrativa do desvendar os sofrimentos, concentrados na audiência que se gera. A representação de vítimas esteve em um primeiro momento na despersonalização, marcado pelo número de corpos e revelando o sofrimento através de uma distância de realidade. Logo, a partir das décadas a ênfase sobre os sobreviventes passaram a ser dimensionados pelo heroísmo e pela sobrevivência apesar de condições desumanas e se tornando uma característica presente pela mídia ao noticiar desastres ambientais. Para os autores, a figura da vítima reveste sobre uma retórica dos maiores detalhes da vida pessoal capaz de se construir uma identificação com a audiência e constituir a indignação.

Um acontecimento catastrófico passa pelo discurso jornalístico a uma medida de organização do caos e com a finalidade de dar sentido ao ocorrido. Amaral (2015) salienta que a cobertura de casos sobre desastres ambientais começa bruto, como uma ruptura do cotidiano vivido, passando a se delinear a partir do destrinchar do ocorrido, buscando respostas e justificações sobre o que seria possível ter acontecido, empregando nestas narrativas, outras áreas capazes de explicar e medir o fato. Para a autora, a última etapa desta cobertura jornalística estaria na estabilidade do discurso a uma superação, o início de uma recuperação e os relatos emocionais na reconstituição do fato e na contabilização de vítimas.

Para Bueno (2018) a espetacularização das notícias referente a desastres se sobressaem a uma dramaturgia do fato por interesses políticos e empresariais que governam a mídia a um desejo de ocultar as responsabilidades concretas e transformar, dos riscos ao caos, em uma responsabilidade de ninguém. Nesse sentido, as circunstâncias estariam, no sentido midiático, a causas naturais, omitindo a ação humana e a ausência de uma gestão preventiva de gestão de riscos.

Desastres e catástrofes estariam também sobre a ênfase dos processos de midiatização que emergem sobre o relato da experiência imediata, ao tom do ao vivo e do compasso do minuto a minuto, provocando um sentimento de catarse pela audiência ao experimentar as emoções transmitidas, mesmo não estando no local (Amaral e Ascêncio, 2016).

Os estudos de Amaral (2010; 2014; 2015) consideram essas características sobre os enquadramentos midiáticos referidos a temática ambiental, principalmente sobre acontecimentos catastróficos, a uma relação estruturada por aspectos econômicos, políticos e sociais que acabam por silenciar os atingidos, com maior ênfase a aspectos gerenciais e de explicação dos fatos. Essas descrições dos acontecimentos, acabam por ser exaustivas e apresentar um roteiro dramático capaz de naturalizar o caso a um mero destino humano, com uma tendência ao catastrofismo, o sensacionalismo, invisibilizando vítimas e depurando as responsabilidades.

Note de bas de page 1 :

G1 Minas (2019). “Brumadinho: mais duas vítimas do rompimento da barragem da Vale são identificadas”. In: Portal G1. Belo Horizonte. 28 de dezembro. Recuperado de: https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/12/28/brumadinho-mais-duas-vitimas-do-rompimento-da-barragem-da-vale-sao-identificadas.ghtml.

Após o ano de 2015, marcado pela repercussão midiática dada pelo rompimento da barragem do Córrego do Fundão, na região de Mariana – MG, novamente, pouco menos de três anos depois, o noticiário inflamou-se sobre mais um rompimento de barragem no quadrilátero ferrífero. Desta vez, a barragem de minério de ferro do Córrego do Feijão, pertencente à empresa Vale S.A, se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, deixando até o momento, 259 pessoas mortas e soterradas pela lama de rejeito com 11 desaparecidos1, além de impactos sobre comunidades e ecossistemas da Bacia do Rio Paraopeba.

A compreensão e o olhar midiático sobre este acontecimento tornam-se necessários, principalmente pelo entendimento do uso das fontes jornalísticas capazes de expor diferentes posições, uma estruturação social sobre quem fala e como se fala e manifestar a partir de elementos da enunciação dos desastres, os interesses políticos e econômicos imersos.

Sendo assim, os estudos de Amaral (2015) sobre os usos das fontes e as atribuições dadas a elas, transpõem também um significado simbólico, sendo essas nossas categorias para analisar a cobertura noticiosa dado ao rompimento da barragem de minério de ferro do Córrego do Feijão em 2019.

Quanto vale a vida? o rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho – Minas Gerais

Note de bas de page 2 :

Passarinho, N. (2019). “Brumadinho: 'Pensei que aprenderiam a lição': a história da 'sirene humana' que salvou centenas de vidas em Mariana”. In: BBC. Recuperado de: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47129648.

Note de bas de page 3 :

Mazzoco, H.; Coura, P. (2019). “Lama pode ter deslocado refeitório da Vale, dizem Bombeiros”. In: O Tempo. Belo Horizonte. 27 jan.. Recuperado de: https://www.otempo.com.br/cidades/lama-pode-terdeslocado-refeitorio-da-vale-dizem-bombeiros-1.2127898.

A sirene mais uma vez não tocou2 quando a barragem I do complexo Paraopeba II, que incluía a Mina do Córrego do Feijão, pertencente à empresa Vale S.A (Milanez et al., 2019) se rompeu na região de Brumadinho – MG no dia 25 de janeiro de 2019. A estrutura possuía aproximadamente 85 metros de altura, com a capacidade de disposição de 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério (Gonçalves, 2019). A destruição prosseguiu por 245 km, até o Rio Paraopeba, alcançando a barragem da usina Retiro Baixo, com impacto em 18 municípios ao longo do percurso e quase 1 milhão de pessoas afetadas pelo abastecimento hídrico na região. Com a força da lama foram destruídas pousadas, propriedades rurais, pontes e instalações de energia (ibid.). A sede administrativa da Vale, onde mais de 200 funcionários em horário de almoço se encontravam, foi completamente soterrada3.

As imagens no noticiário chegavam minuto a minuto, bombeiros em helicópteros regatando vítimas, a aflição de familiares em busca de notícias, o cenário das paisagens destruídas (Gonçalves, 2019). O despreparo profissional de alguns jornalistas ao noticiar informações do caso, com demonstrações de descontração e bom humor (O Estado de S. Paulo, 2019) e a inconveniência ao buscar informações entre parentes e familiares de desaparecidos (Catraca Livre, 2019) causou incômodo e críticas em redes sociais.

Note de bas de page 4 :

Linhares, C. (2020). “Um ano após tragédia, bombeiros ainda peneiram lama em Brumadinho”. In: Folha de S. Paulo. 18 jan. Recuperado de: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/01/um-ano-apos-tragedia-bombeiros-ainda-peneram-lama-em-brumadinho.shtml.

Até dezembro de 2019 foram localizados 259 corpos de vítimas soterradas pelos rejeitos, e o Corpo de Bombeiros ainda trabalha na busca de 11 desaparecidos4. A corporação, que ao passar de nove meses do rompimento de barragem ainda mantém seu trabalho de busca, está com sua capacidade reduzida, os 64 cães farejadores disponíveis do Brasil e utilizados na localização das vítimas tiveram a saúde afetada por exposição ao material presente na lama (Parreiras, 2019). Casos de concentração de alumínio e cobre também foram encontrados em bombeiros que trabalham nas buscas (Sudré, 2019) além de sintomas de contaminação como náuseas e vômitos (Souza, 2019).

Narrativas de que uma explosão poderia ter contribuído para que a barragem ruísse começaram a repercutir (Canofre, 2019). Muitas notícias falsas circularam, especialmente em grupos de WhatsApp. Misturados à falta de informação, foram divulgados alertas de localização de desaparecidos, possíveis causas do rompimento e imagens de outros locais, prejudicando a busca por pessoas desaparecidas (G1 Minas, 2019).

A primeira nota publicada pela empresa Vale S.A., logo após o rompimento, trata da "prioridade de preservar e proteger a vida de empregados e de integrantes da comunidade" (Vale S.A, 2019, p. 35). No mesmo dia, comunicou-se a criação de um Comitê de Ajuda Humanitária, composta por assistentes sociais e psicológicos, além de publicar um "compromisso com levantamento e compartilhamento de informações" aos órgãos públicos (Vale S.A., 2019:34).

O Estado, por sua vez, criou uma força-tarefa e um gabinete de crise, com a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros, Policiais Militares e socorristas (Alves, 2019). Já o Governo Federal buscou ajuda das tropas Israelenses; com o apoio governo de Minas Gerais, as tropas ficaram no Brasil menos de uma semana, causando estranheza sobre a sua atuação e a real intenção frente ao caso que ganhou grande repercussão mundial (Toledo, 2019), as próprias Forças Armadas Brasileiras não foram levadas em consideração na ajuda de busca por sobreviventes (Misleh, 2019).

Outro anúncio realizado em coletiva de imprensa pelo presidente da Vale, no dia 29 de janeiro de 2019, como "resposta cabal à altura da enorme tragédia que tivemos em Brumadinho" foi a eliminação de barragens em Minas Gerais (Agência Brasil, 2019, recurso online). O impacto da sua declaração levou ao aumento do preço do minério na bolsa de valores, atingido os maiores preços dos últimos 17 meses. No terceiro trimestre do mesmo ano do desastre em Brumadinho, a empresa registrou lucro líquido de R$6,5 bilhões de reais (G1, 2019).

Sobre os danos causados à população, um relatório publicado pela Fiocruz (2019) argumenta que, entre as perdas humanas, socioeconômicas e ambientais o desastre pode causar impactos imediatos à saúde dos atingidos com efeitos de curto em longo prazo e se estendendo por centenas de quilômetros da área de origem. As alterações no ecossistema elevam a incidência de transmissão de doenças, efeitos traumáticos como depressão e ansiedade e doenças crônicas, como infecções respiratórias, cardiovasculares, hipertensão e diabetes:

[...] Além do impacto imediato nas áreas próximas à área de mineração, podem ser previstas alterações nas condições de vida, de acesso a serviços de saúde e dos ecossistemas que produzem condições para a transmissão de doenças infecciosas. A ampliação da incidência de doenças pré-existentes na região, como a febre amarela, diarreias e esquistossomose pode ser uma consequência do desastre a médio prazo [sic]. Além disso, o contato com a lama e água pode gerar casos de leptospirose. (Fiocruz, 2019:[10])

Entre os familiares das vítimas e moradores da região, Brumadinho apresenta um aumento significativo de adoecimento psicológico com o crescimento de 80% no uso de ansiolíticos e 60% de antidepressivos e com um significativo acréscimo no número de tentativas de suicídio (Freitas et al., 2019).

Após dez meses do acontecimento, pouco tem se explorado sobre os danos e consequências causados pelo rompimento na mídia. O jornalismo deu lugar às histórias individuais e aos dramas pessoais (Intervozes, 2019). Podendo ser considerado um dos maiores crimes socioambientais envolvendo mortes e danos aos trabalhadores, suas vítimas se estendem entre funcionários da Vale e terceirizados, revelando uma precarização trabalhista no setor mineiro (Gomes, 2019).

A partir dessa contextualização sobre o caso, passaremos a descrever a metodologia da análise de conteúdo e a identificação das categorias sobre as notícias vinculadas no portal do jornal O Tempo durante a primeira semana após o rompimento da barragem.

Metodologia: análise de conteúdo e a categorização das fontes jornalísticas

A análise de conteúdo é definida por Bardin (2008) como um conjunto de técnicas, um instrumento capaz de ser adaptável a diferentes campos de aplicação, inclusive na análise comunicacional. Esta metodologia manifesta-se primeiramente aos conceitos linguísticos e, com o tempo, passou a tomar caminhos distintos, tendo sido bastante difundida na utilização de uma análise pragmática das ciências políticas e logo na compreensão das concepções de presença e exclusão de palavras e temas nos aspectos das teorias comunicacionais formulados por Lasswell (quem diz o que? Por que meios? E com que efeito?) e Lazarsfeld (opinião pública). Muitas contribuições de diferentes áreas foram utilizadas pela análise de conteúdo, como na etnologia, na história, na psiquiatria e psicologia (Bardin, 2008).

Um dos aspectos principais da utilização da análise de conteúdo é a sua função de busca e identificação das inferências, ou seja, as frequências do aparecimento de um determinado tema, um aspecto de identificação ou palavra. Por essas variáveis contábeis torna-se possível identificar as causas e os efeitos de, por exemplo, uma fonte ganhar mais notoriedade midiática em detrimento do silenciamento de outras fontes. Para tanto, a análise de conteúdo proposta por Bardin (2008) dedica-se a interpretar o objeto de estudo a partir de métodos empíricos divididos em três fases principais: (1) a pré-análise do material escolhido; (2) a exploração do material; (3) o tratamento dos resultados.

A pré-análise do material constou da escolha e organização dos dados a serem explorados, no caso desde artigo, organizamos as reportagens contidas no portal do Jornal O Tempo com um recorte temporal de sete dias sobre as seguintes palavras-chave: "tragédia Brumadinho" e "barragem Brumadinho". Foram selecionadas portanto, 552 reportagens.

Com as operações da pré-análise definidas, aplicamos a segunda etapa da metodologia, a exploração do material, sistematizando as reportagens coletadas de acordo com as datas de publicação, títulos, hora de publicação, autores, subtítulo, antetítulo e link de acesso.

Para o tratamento dos resultados e interpretações, utilizamos das contagens e operações estatísticas simples com uso de gráficos e porcentagem de cada categorização definida.

A categorização por fonte proposta por Amaral (2015) foi escolhida justamente por evidenciar o jogo de forças e de legitimidade das estruturas sociais expostas após um desastre socioambiental. É a partir dessa construção do acontecimento midiático sobre quais vozes foram utilizadas na cobertura do rompimento da barragem que podemos dimensionar as particularidades da composição narrativa sobre a empresa, o poder público e os atingidos.

A autora organiza três tipos de fontes utilizadas na cobertura de desastres ambientais, sendo as fontes autorizadas, as fontes expert e as fontes testemunhais. Em sua definição, as fontes autorizadas são aquelas de posições institucionais, políticas e organizacionais que passam “maior credibilidade” diante do momento de crise, estas fontes teriam preferência jornalística por serem consideradas “oficiais”. São, portanto, as fontes autorizadas a falar, mas que muitas vezes se retiram da responsabilidade sobre o fato. As fontes experts são definidas como as fontes que possuem conhecimento especializado e competência científica, traduzem a explicação dos acontecimentos para a compreensão do fato, podem demonstrar críticas a autoridades e responsáveis, como também não necessariamente necessitam se posicionar. As fontes testemunhais são aquelas que traduzem suas experiências sobre o ocorrido, participam como um espectador convocando o efeito do real, são os contextualizadores do acontecimento, repassam o sentimento vivido e muitas vezes são utilizados de maneira a dramatizar o fato, retirando dessas vozes as posturas de declarações que invocam a oposição, a explicação, a revolta e a resistência (Amaral, 2015).

Para este trabalho, organizamos as fontes entre as categorias exemplificadas acima de acordo com as reportagens coletadas, como:

  • Fontes autorizadas: poder público (Legislativo; Executivo e Judiciário), União, Estados e Municípios, empresa de mineração envolvida, executivos, corporações de segurança pública e seus representantes, agentes políticos, servidores públicos e militares, instituições públicas e privadas, representantes políticos, religiosos e celebridades.

  • Fontes especializadas (experts): Professores, cientistas, ambientalistas, ONG‘s, instituições de ensino e pesquisa.

  • Fontes testemunhais: Associações e sindicatos, familiares de vítimas, vítimas, população atingida, moradores das regiões impactadas, voluntários.

  • Fontes anônimas: fontes anônimas ou não identificadas.

Análise: os enquadramentos de uma tragédia anunciada

De acordo com as classificações citadas a cima, foram coletadas no total 522 reportagens referentes ao rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho-MG, publicadas no período entre os dias 25 a 31 de janeiro de 2019 no portal online do jornal O Tempo. De acordo com as fontes utilizadas chegamos aos seguintes números: 368 reportagens com uso de fontes autorizadas; 23 reportagens com fontes especializadas; 219 notícias com fontes testemunhais e 02 reportagens com fontes anônimas ou não identificadas. Abaixo a tabela ilustra de maneira quantitativa o número da utilização de cada fonte por cada dia de cobertura midiática:

Tabela - Fontes utilizadas nas reportagens sobre o rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho - MG

Tabela  - Fontes utilizadas nas reportagens sobre o rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho - MG

Fonte: elaborado pela autora (2020)

A cobertura midiática do rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho - MG apresentou um grande número de notícias em um tempo muito curto, sendo que a cada dia cerca de mais de 60 notícias eram veiculadas pelo portal. Uns dos processos identificados para o encontro deste grande número de reportagens foi a constante midiatização do fato a partir da experiência imediata, como descrito por Amaral e Ascêncio (2016), ao tom do ao vivo, da exclusividade sobre uma nova catástrofe. Essa característica, de certo modo, carrega muita informação em pouco tempo, priorizando a dramatização e utilizando a síntese da fatalidade, esvaziando a construção de características marcantes sobre as causas e consequências de mais um desastre relacionado à mineração, com expressivo número de vítimas.

No total de uma semana, o uso das fontes autorizadas corresponderam a 71% das reportagens, corroborando mais uma vez as evidências descritas por Amaral (2015), sobre a maior procura por este tipo de fonte em momentos de cobertura como o de desastres. As características marcantes das reportagens analisadas visaram informar e desmentir boatos com um protagonismo maior sobre as ações governamentais de prestação de socorro. Dois momentos corresponderam à sua maior incidência neste período de análise: o atendimento do Corpo de Bombeiros em coletivas de imprensa, destacando a figura do porta-voz da corporação, tenente Pedro Aihara, que ganhou certa notoriedade, e o anúncio do Governo Federal sobre a vinda das tropas Israelenses para Brumadinho - MG. Esse atributo pode se relacionar à instância da celebridade descrita por McCombs (2009) sobre a Teoria do Agendamento, o que provoca não necessariamente informações sobre o caso, mas sim sobre uma atribuição de status com crescente atenção da mídia a um indivíduo.

Encontram-se também sobre esta categoria das fontes autorizadas, uma relação de denúncia à Vale S.A repercutidas pelos crimes como falsidade ideológica e negligência, ocorrendo também, durante a semana de análise, a prisão temporária de funcionários responsáveis pelo licenciamento do empreendimento em Brumadinho - MG, além dos engenheiros terceirizados que atestaram a estabilidade da barragem. Enquadram-se nessa categoria as notícias sobre a divulgação dos danos causados, muitas vezes comparados a Mariana - MG, referindo-se mais à "maior perda humana" do que à "perda ambiental", além de valores de multas; exposição e sofrimento de animais na lama; e o risco de um possível novo rompimento de barragem.

As fontes autorizadas também estiveram sobre o viés dos religiosos, celebridades e poder público associando-se a solidariedade. Algumas reportagens se enquadraram nesta categoria sobre a justificativa de algo "positivo", principalmente pela vinda das tropas israelenses, favorecendo a efetividade do uso de suas tecnologias ao relatar o encontro de corpos. Neste sentido, a demonstração das ações por fontes autorizadas estiveram também sobre uma produção de narrativas em referências positivas, mesmo após um acontecimento tão dramático, ao tom da superação, do "reagir bem" sobre o acontecimento.

É interessante ressaltar que muitas vezes a própria Vale S.A esteve como fonte, incorporando aos enquadramentos noticiosos a ênfase sobre suas ações de contingência em resposta ao desastre, divulgando o comitê de ajuda humanitária com atuação dos próprios funcionários que estiveram como "voluntários" no atendimento às pessoas atingidas. Estão, nessa categoria, notícias sobre a não necessidade de doações pela comunidade, em contrapartida à divulgação de uma "doação" monetária pela Vale às famílias e parentes das vítimas. O comprometimento da empresa, o preparo das instituições em resposta ao rompimento como um "protocolo de catástrofe" e a resposta do mercado financeiro. A narrativa da inculpabilidade, como um acontecimento inevitável a ser superado, esteve presente.

As fontes especializadas estiveram sobre um enquadramento de apresentação sobre denúncia e demonstração do tamanho do dano socioambiental causado. Se estende sobre o uso de fontes especialista a apresentação de um posicionamento sobre o impacto econômico que a paralisação da Vale proporcionaria ao município, o país e o mercado financeiro. Este argumento reforça a dependência econômica do setor e diminui a percepção sobre a cruel realidade que o desastre proporcionou.

Note de bas de page 5 :

Nogueira, M.; Fontes, L. (2019). “Parentes de funcionários afirmam que Vale deu ordem de silêncio”. In: O Tempo. Recuperado de: https://www.otempo.com.br/cidades/parentes-de-funcionarios-afirmam-que-vale-deu-ordem-de-silencio1.2129748.

As fontes testemunhais, somando-se sobre 25% do total das reportagens analisadas, compreenderam a forte exposição dos familiares e parentes de vítimas desaparecidas no rompimento da barragem. A espetacularização midiática sobre o desespero, a falta de informação, e a busca por notícias se fez muito mais presente. Uma reportagem em particular chama atenção, pois implica a denúncia de uma orientação da empresa para que familiares das vítimas e funcionários evitem opinarem publicamente sobre a tragédia5.

Note de bas de page 6 :

Ferreira, P. (2019). “Vítima de Brumadinho resgatada da lama por helicóptero tem 15 anos”. In: O Tempo. Recuperado de: https://www.otempo.com.br/cidades/vitima-de-brumadinhoresgatada-da-lama-por-helicoptero-tem-15-anos-1.2127299.

Concordando com Vaz e Rony (2011), como evidenciado no capítulo anterior, a narrativa exposta sobre o sofrimento dos familiares, presente em grande parte das reportagens com uso de fontes testemunhais, esteve nas imagens repercutidas sobre a busca por corpos, a contagem do número de mortos superando o de desaparecidos e principalmente sobre a primeira imagem repercutida nos canais midiáticos sobre o acontecimento: o resgate de uma adolescente no helicóptero do Corpo de Bombeiros6.

As fontes testemunhais se concentraram também sobre a esperança, os reencontros e as referências religiosas como a fé, orações e milagres. Uma possibilidade de superação, onde até o reconhecimento de corpos estava sobre o "fim de uma angústia".

Note de bas de page 7 :

Ferreira, P.(2019). “Adolescente resgatada por helicóptero diz que ficou à espera da morte”. In: O Tempo. Recuperado de: https://www.otempo.com.br/cidades/adolescente-resgatada-porhelicoptero-diz-que-ficou-a-espera-da-morte-1.2127395.

Segundo Vaz e Rony (2011), essa identificação da audiência com os detalhes da vida pessoal de cada vítima aquece a construção de uma indignação generalizada, ao mesmo tempo esvaziada pela rotina comum e segura desta própria audiência, estando presente na mídia a retórica do heroísmo e da sobrevivência em condições desumanas, uma ideia do sacrifício pelo bem comum que ao mesmo tempo é individualizado. Um exemplo está na reportagem sobre a adolescente resgatada no helicóptero do Corpo de Bombeiros, em que a notícia destaca: “Apesar de ter fraturado a bacia e uma perna, e estar bastante machucada, Talita está levando tudo na esportiva” 7.

Foi possível identificar o uso de fontes testemunhais, representado pelo sindicato dos trabalhadores, ao descrever a insegurança que a paralisação das unidades da Vale S.A impactaria na geração de empregos. Mais uma vez, a escolha da narrativa que evidência o aspecto econômico sobrepondo a dimensão das causas e perdas geradas pelo rompimento e pelo risco de outros rompimentos aos trabalhadores.

O uso de fonte anônima foi identificado em duas reportagens, relacionada à constatação da ineficiência da equipe israelense em Brumadinho - MG, gerando um novo foco de atenção; e outra identificada em exclusividade pelo Jornal O Tempo proferindo uma denúncia contra a Vale S.A, a partir de documentos que rebaixavam a categoria da barragem rompida para a liberação de licenças.

A seguir apresentamos o gráfico com as porcentagens da contabilização total do uso de fontes pela cobertura midiática indicada:

Gráfico - Utilização de fontes na cobertura noticiosa do rompimento da barragem do Córrego do Feijão pelo jornal O Tempo.

Gráfico  - Utilização de fontes na cobertura noticiosa do rompimento da barragem do Córrego do Feijão pelo jornal O Tempo.

Fonte: elaborado pela autora (2020)

Considerações finais

Esse levantamento reitera outros estudos sobre a temática ambiental na mídia, reforçando o quanto casos como desastres e catástrofes são a porta de entrada para que o meio ambiente seja pautado, mas, ao mesmo tempo, por meio de uma narrativa em que a espetacularização do drama, das dores e das perdas são as principais estratégias. Essa escolha acaba por, simbolicamente, evidenciar projeções simplificadoras sobre as populações atingidas, com as narrativas da superação, do heroísmo e de aspectos religiosos silenciando debates talvez mais necessários (como o do risco exposto e da vulnerabilidade).

O rompimento da barragem da Vale S.A na região de Brumadinho – MG no ano de 2019, esteve sobre a ótica das intrínsecas relações existentes entre os meios de comunicação hegemônicos e os poderes empresarias, o acontecimento apresentou, em grande parte, um enquadramento jornalístico pela ótica do inevitável a algo que deve ser superado, em busca de denominar quem era os responsáveis e outras possíveis causas. Denotando ainda, o aspecto da relevância econômica do setor mineral para a região.

A cobertura midiática sobre o rompimento da barragem em Brumadinho - MG obteve um número expressivo de notícias, estando sobre o imediatismo, o minuto a minuto, a repercussão em outros canais midiáticos, vídeos em aplicativos e redes sociais. Da mesma forma, a grande maioria das notícias centrou-se nas fontes autorizadas, com maior protagonismo das ações do governo, do trabalho do Corpo de Bombeiros, e de coletivas de imprensa promovidas pela Vale S.A., repassando inicialmente uma ideia de “tudo estar sob controle”. A cobertura midiática sobre Brumadinho - MG perdeu-se em muitos momentos no foco do problema, as notícias passaram a envolver questões como a vida particular do porta-voz dos Bombeiros e até mesmo as justificativas sobre a atuação das tropas israelenses no Brasil.

Mesmo se relacionando a um grande número de reportagens em apenas uma semana, a repercussão do rompimento da barragem do Córrego do Feijão silenciou-se muito mais rápido. Casos que envolvem barragens de mineração se voltaram para a iminência de novos riscos de outras barragens se romperem. Questões como essas ressurgem a partir de uma possível naturalização do problema, onde, ao noticiar constantes rompimentos de barragens, o fato se encontraria sob um critério de noticiabilidade, ao depender do tamanho do dano e número de mortos, superando-se um ao outro cada vez mais. Empresas de mineração podem também passar a justificar possíveis riscos para retirada da população para uso de seus territórios.

A pauta ambiental, portanto, identifica-se a partir de forças discursivas erguidas a interesses privados, que condicionam ações pragmáticas sobre o meio ambiente principalmente em um contexto catastrófico. Em momentos de crise, o risco e o medo produzem nesses discursos questões positivas como a solidariedade e a superação, ao mesmo tempo em que silenciam as injustiças e desigualdades socioambientais por trás das tragédias.

Sendo assim, as narrativas do setor mineral sob a ótica do meio ambiente se reproduzem sobre a revelação de processos institucionais materializados em um jogo de linguagens e anunciados a partir de um desastre ou catástrofe, abrindo novas perspectivas para questões a serem desenvolvidas adiante, principalmente sobre a importância de se fomentar novos espaços de intervenção crítica e socialmente salientados pela cultural local, na busca pelo reconhecimento dos atingidos e no resgate da comunidade para o seu agir político.