A importância de políticas públicas voltadas para a população da terceira idade no Brasil: discutindo as tensões e potencialidades do século XXI The importance of public policies for the third age of population in Brazil: discussing the tensions and potentials of the 21st century
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a questão do envelhecimento e as políticas públicas no Brasil. Durante muito tempo o Brasil foi visto como um país de jovens, mas nas últimas décadas, vem-se percebendo um constante envelhecimento demográfico da população idosa, invertendo significativamente as características de país de população jovem para país com uma população mais idosa. Compreender esta característica é essencial para pensar a gestão do país no que tange a implementação de políticas públicas e os investimentos do Estado, necessários para responder às demandas de uma vida digna para toda a população. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera o período de 1975 a 2025 como a “Era do Envelhecimento”, porque é visível que a população mundial está vivendo mais. Por outro lado, no que tange aos cuidados à população idosa é importante oferecer um atendimento adequado e preventivo à saúde e qualidade de vida. Por fim, discute-se neste texto que o Brasil avançou significativamente no sentido de implementar políticas que respondam às demandas e necessidades dos idosos, considerando-os prioritariamente como sujeitos de direitos. Todavia, no Brasil, contraditoriamente, o que se observa mais recentemente são retrocessos no campo dos direitos sociais e humanos, assim este artigo tem como debate as tensões e potencialidades à questão do envelhecimento nos dias atuais.
This article has the purpose to reflect on the broad issue of aging and how public policies are developed in Brazil. For a long time, Brazil was seen as a country of young population. However, in recent years, a sustainable growth of its elderly population has been noticed. As a result, today Brazil should be seen as a country with a mix of a large young population and a growing share of elderly people. Therefore, it is essential to understand the consequences and characteristics of this trend and how the country responds to the challenge of providing efficient public policies and public investments as well as whether the aging population is satisfied or not with public interventions. The United Nations has termed the period from 1975 to 2025 as the "Age of Aging", as the world population is living longer. As a consequence, it is necessary to provide adequate and preventive care in terms of health and quality of life for all those that achieve high ages. Finally, the text discusses whether Brazil has been successful or not in the implementation of policies and if it manages to respond adequately to the specific needs of its elderly population, in particular whether human basic rights have been respected or not. In Brazil, apparently, in the last years what can be seen are a set of setbacks in the field of social and human rights. So, in this article, the author will address these tensioned as well as will highlight the relevance of some issues related to the development of aging in Brazil in recent years.
Introdução
As questões relacionadas à terceira idade têm crescido em importância nos últimos anos, uma vez que o envelhecimento da população é um fenômeno mundial, que traz relevantes repercussões nos diversos setores da vida em sociedade.
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a questão do envelhecimento e as políticas públicas no Brasil. Durante muito tempo, o Brasil foi visto como um país de jovens, mas nas últimas décadas, vem-se percebendo um constante envelhecimento demográfico da população idosa, invertendo-lhe significativamente as características de país de população jovem para país com uma população mais idosa. Compreender esta característica é essencial para pensar a gestão do país no que tange a implementação de políticas públicas e os investimentos do Estado, necessários para responder às demandas de uma vida digna para toda a população.
Esta reflexão foi apresentada ao Congresso Internacional ALEC – 2021 sob a temática do envelhecimento hoje - “Les aînés dans le monde au XXIº siècle. Vivre Ensemble”, realizado de 06 à 08 de setembro de 2021. Tema escolhido por se tratar de extrema importância para considerar as desigualdades sociais e a questão do idoso hoje.
Falar de envelhecimento nos dias atuais remete a pensar que esta questão implica à todas as pessoas enquanto processo complexo que diz respeito à uma das fases da vida humana, pois não são mais de “velhos” e “apartados” de que estamos falando e sim pessoas que buscam deter sua autonomia, tanto financeira quanto de condução da vida e estes se colocam dispostos à inúmeros esforços para manterem-se jovens, sadios e atuantes, quando o corpo biológico dá sinais de enfraquecimento e possuem condições socioeconômicas necessárias para o cuidado. Mas pensar envelhecimento hoje implica também refletir sobre as desigualdades vigentes nos dias atuais que implicam muitas vezes em isolamento, em discriminações, violências e negligências que em muitos casos atingem muitas das pessoas idosas.
Deste modo, escolhe-se neste artigo refletir sobre a temática sob a luz das desigualdades sociais vigentes no Brasil em populações idosas em situação de vulnerabilidade social e a importância das políticas públicas de proteção para essas pessoas no campo da defesa dos direitos sociais e humanos.
1. Envelhecimento e perspectivas para vida no século XXI
O envelhecimento da população mundial hoje é uma realidade na maior parte da população mundial e pode-se afirmar que esta possibilidade atual trata de uma das maiores conquistas do desenvolvimento da humanidade. Reconhecemos que o mundo está passando por mudanças significativas sem precedentes. Dados estatísticos mundiais (UNFPA, 2012: 3) apontam para estimativas de que até 2050, o número de pessoas acima de 60 anos aumentará para quase 02 bilhões, prevendo uma duplicação passando de 10% para 21% da população mundial.
Cada dia mais observa-se um aumento na expectativa de vida da população humana e isto deve-se à melhor qualidade de vida, de prevenção à saúde, de condições sanitárias e avanços significativos da medicina. Pode-se afirmar, portanto, que o envelhecimento populacional é uma das mais significativas tendências do século XXI.
As pessoas vivem mais em razão de melhoras na nutrição, nas condições sanitárias, nos avanços da medicina, nos cuidados com a saúde, no ensino e no bem-estar econômico. A expectativa de vida no nascimento, atualmente, está situada acima dos 80 anos em 33 países; há apenas 5 anos, somente 19 deles haviam alcançado esse patamar (UNFPA, 2012: 3).
Um estudo recente realizado pela Gero, uma empresa de biotecnologia em Cingapura, em parceria com a Roswell Park Comprehensive Cancer Center, em Nova York, apontou que atualmente é possível que um ser humano possa alcançar a idade de até 150 anos. Por certo, o que no passado era uma raridade, como exemplo o alcance de 100 ou mais anos de vida, nos dias atuais encontramos cada vez mais casos de pessoas que vivem acima desta idade, o que comprova um crescente aumento da expectativa de vida.
Assim, o declínio das taxas de fecundidade e o aumento da longevidade têm levado ao envelhecimento da população. Dados do Relatório “Envelhecimento no Século XXI” (UNFPA, 2012: 3) aponta que em 2010-2015, a expectativa de vida ao nascer passou a ser de 78 anos nos países desenvolvidos e 68 anos nas regiões em desenvolvimento. Em 2045-2050, as crianças terão uma expectativa de vida de até 83 anos nas regiões desenvolvidas e 74 naquelas em desenvolvimento.
Em 1950, havia 205 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no mundo. Em 2012, o número de pessoas mais velhas aumentou para quase 810 milhões. Projeta-se que esse número alcance 1 bilhão em menos de 10 anos e que duplique até 2050, alcançando 2 bilhões. Há diferenças bem delineadas entre as regiões. Por exemplo, em 2012, 6% da população africana tinha 60 anos ou mais, comparada com 10% na América Latina e Caribe, 11% na Ásia, 15% na Oceania, 19% na América do Norte e 22% na Europa. Em 2050, estima-se que 10% da população africana terá 60 anos ou mais, comparada com 24% na Ásia, 24% na Oceania, 25% na América Latina e Caribe, 27% na América do Norte e 34% na Europa (UNFPA, 2012: 3-4).
A partir destes dados e do aumento da expectativa da vida humana considera-se que o conceito sobre o envelhecimento humano possui um sentido histórico ao longo dos tempos, sendo percebido de diversas maneiras em toda a história da humanidade. Além disso a realidade cronológica de existência é para todo e qualquer ser humano uma realidade presente que adquire formas subjetivas de compreensão, todos sabemos que nascemos, vivemos e morremos em uma existência que pode ter mais ou menos oportunidades de longevidade conforme a época história.
Pensar em envelhecimento nos remete a compreender que a idade social é o percurso do ciclo de vida definido socialmente. Cada sociedade distingue as etapas sucessivas e fixa as condições de acesso de uma etapa para outra, definindo também qual o espaço que iremos ocupar nesta mesma sociedade.
Como seres sociais, as pessoas constroem seu percurso nas experiências e afecções dadas na vida cotidiana, e são nos pequenos e nos grandes acontecimentos que as pessoas vivenciam as etapas da vida que constituem sua história.
A velhice nas sociedades antigas era bastante valorizada e os idosos deste tempo eram considerados sábios, mas com advento da modernidade essa valorização foi se modificando tornando o idoso um sujeito destituído de sua capacidade de produção e reprodução da vida social, sendo este apartado a uma condição secundária e peso social.
Na sociedade do século XXI, a questão do envelhecimento passa a ter novo significado, o idoso hoje já não é visto como uma pessoa impotente, mas como uma pessoa capaz de tomar decisões e dirigir sua vida até quando o consiga ou até quando suas funções biológicas se reduzem radicalmente tornando-o dependente de cuidados. Esta questão vem sendo cada vez mais debatida na humanidade atual em busca do prolongamento à vida de forma saudável, com qualidade de vida e autonomia tão esperada.
Deste modo, assinala-se que a humanidade do século XXI volta a sua preocupação para extensão da vida humana e isto se dá principalmente pelos avanços significativos da medicina e da saúde da população em geral. Portanto, não é por acaso que a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período de 2021 a 2030 como “Década do Envelhecimento Saudável” com o objetivo de melhorar a vida dos idosos, suas famílias e comunidades. A ONU tem trabalhado neste sentido, em mudar a forma de pensar o envelhecimento humano de modo a orientar os países no que tange a facilitar a capacidade dos idosos de participar e contribuir com suas comunidades e sociedades, além de reconhecer a necessidade da atenção integrada e dos serviços de saúde primários que atendam às necessidades das pessoas e ainda promover acesso a cuidados de longa duração para pessoas idosas que deles necessitem. Todavia, reconhece-se que apesar da emergência da questão e da necessidade premente da humanidade avançar em questões pertinentes ao envelhecimento humano, o mundo ainda não está preparado suficientemente para responder aos direitos e necessidades das pessoas idosas.
A OPAS – Organização Pan-americana de Saúde também possui papel fundamental no que tange à Década do Envelhecimento Saudável para as Américas garantindo o desenvolvimento de propostas, ações, intervenções e parcerias bem-sucedidas com parceiros importantes e outras partes interessadas da Região.
A Convenção Interamericana sobre Proteção de Direitos Humanos das Pessoas foi aprovada pela Organização dos Estados Americanos – OEA em 2015, defendendo como principais eixos a garantia a independência e a autonomia das pessoas idosas, o consentimento informado em relação à saúde, o reconhecimento igualitário da lei, a seguridade social, a acessibilidade e a mobilidade pessoal, além de muitos outros direitos humanos fundamentais.
Neste sentido, vale ressaltar que a Organização Mundial da Saúde - OMS e da Organização das Nações Unidas ONU estão preocupadas com a questão e buscam contribuições e sugestões de todas as partes interessadas para construir uma plataforma colaborativa de todo conhecimento sobre o envelhecimento humano e que possa ser de livre acesso.
Mas, o que realmente tem significado atualmente é que no mundo contemporâneo - século XXI, é necessário que detenha-se atentamente à questão e que alterem-se os padrões culturais e as concepções sobre velhice dada as reais possibilidades que nossos idosos possuem de qualidade de vida e acesso à saúde de maior qualidade que no passado, mas para isto fazem-se necessárias políticas de atendimento e acompanhamento à população idosa, compreendendo suas reais necessidades e promovendo o bem estar psicossocial e físico destes e, para isto é imprescindível que os governos e autoridades possam estar comprometidos com as questões sociais que permeiam a questão da velhice, as diversidades e desigualdades sociais nos países que possam aumentar ou diminuir as expectativas de vida das populações.
2. O envelhecimento da população brasileira e a importância de programas e políticas públicas em defesa da vida
Como já exposto neste artigo, compreendemos que as pessoas, em todos os lugares, possuem o direito a envelhecer com dignidade e segurança, desfrutando da vida através da plena realização de todos os direitos sociais, humanos e liberdades fundamentais. Deste modo, é necessário entender e considerar as particularidades e desafios que permeiam as possibilidades de acesso a um envelhecimento saudável nos países.
Neste sentido, é fato de que o Brasil era considerado na década de 70 do século XX um país jovem, ou seja, formado em sua grande maioria de jovens, todavia essa questão começa a alterar-se na medida em que o acesso à saúde da população torna-se cada vez mais uma realidade. Isto se deu na medida em que se inicia a vacinação da população, ainda na década de 70 e principalmente no avanço da consolidação da democracia no país, saindo do regime autoritário vigente desde os anos 60 para um país de regime democrático e de reconhecimento dos direitos da pessoa humana.
A construção da Constituição Federal – 1988 torna-se assim o marco de mudança de concepção para a abertura de um regime democrático no país. Esta preconiza como ponto principal que todo e qualquer cidadão é portador de direitos, sendo posteriormente instaurado o Sistema Único de Saúde gratuito e extensivo para toda a sua população, além de induzir as demais políticas na mesma vertente.
Para justificarmos essa defesa do envelhecimento da população, segue abaixo a tabela na qual pode-se observar o crescimento da população idosa no Brasil de 1950 prevendo projeções até o ano de 2100.
Observa-se que em 1950 haviam somente 11,7 idosos de 60 anos e mais, para cada 100 jovens de 0 a 14 anos na população brasileira, 7,2 idosos de 65 anos e mais para cada 100 jovens e menos de 1 idoso de 80 anos e mais para cada 100 jovens. Os jovens eram ampla maioria na estrutura etária brasileira em meados do século passado diferentemente do que na atualidade. (ALVES, 2020). Essa realidade vem sendo alterada à medida em que os anos avançam.
Portanto, no gráfico acima é possível notar que o Brasil terá um dos processos de envelhecimento populacional mais rápidos e intensos em comparação com outros países. Este processo teve início na década de 60 quando o número médio de filhos por mulher caiu de mais de 06 para 02 filhos. Para o professor José Eustáquio Diniz Alves:
...o Brasil será considerado um país idoso em 2030, se consideramos os idosos de 60 anos e mais. Considerando os idosos na categoria 65 anos e mais passará a ter uma estrutura envelhecida em 2038. E o mais impressionante é que, considerando as pessoas da “quarta idade”, o IE ultrapassará 100 no ano de 2077, quando o Brasil terá mais idosos de 80 anos e mais do que jovens de 0 a 14 anos (2020:?).
De acordo com o IBGE (2018) a população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 milhões de idosos em 2012, correspondendo a um crescimento de 18% deste grupo etário no Brasil, sendo a maioria constituída de mulheres com 16,9 milhões (56%) enquanto os homens idosos são 13,3% milhões (44%). Assim, o Brasil superou a marca dos 30,2 milhões de idosos em 2017, representando 10% da população, portanto a previsão é de que até 2034, os idosos devem atingir 15% da população brasileira.
Sendo assim, o envelhecimento da população brasileira passará a ser uma questão de importância primordial para o Brasil, pois o perfil populacional impacta consideravelmente na dinâmica do país. Segundo Faleiros (2014) esta transição demográfica, ao mesmo tempo, que é efeito de determinações complexas como da economia, da política e da cultura implica diretamente nestas e no ordenamento das políticas públicas de atenção à população idosa.
As implicações sociais e econômicas vinculadas à questão da velhice são profundas, estendendo-se para muito além da pessoa do idoso e de sua família imediata, alcançando a sociedade mais ampla e a comunidade global de forma sem precedentes. Para a ONU, é a forma como optamos por tratar dos desafios e maximizar as oportunidades de uma crescente população idosa que determinará se a sociedade colherá os benefícios do “dividendo da longevidade”(UNFPA, 2012: 3).
A velhice, portanto, implica reflexão sobre como está sendo tratada e que por certo deve refletir impactos no perfil populacional provocando os governos a pensar sobre os impactos econômicos e além destes nos desafios da questão aos sistemas de proteção social e saúde, de forma que é preciso superar as externalidades e potencializar as oportunidades deste fenômeno, sendo estas possíveis de serem atingidas em seus objetivos se forem adotadas políticas públicas apropriadas.
É evidente, que países como o Brasil, ainda em desenvolvimento, não estão sujeitos às mesmas condições, como os países europeus que ao terem suas populações mais envelhecidas, pois estas já haviam conquistado direitos sociais mais ampliados atendendo-os de forma adequada.
Não há um perfil homogêneo para os idosos, e, portanto, reconhecer essa população implica pensar as características como idade, sexo, classe social, etnia, além das condições e acesso à educação, à renda, à saúde entre outros.
Pensar envelhecimento hoje implica pensar a complexidade da questão, identificando de que lugar se traz a questão e é claro, como já mencionado aqui, pensar envelhecimento hoje implica pensar de onde se pensa a questão. Que país e com quais olhares se observa a questão? De que idoso se fala? Idoso de uma classe social em condições socioeconômicas privilegiadas, uma classe social média que tem acesso à cuidados e direitos ou um idoso proveniente de classe social vulnerável e em risco social? Além destes, neste campo ainda se pode considerar além da classe social, a raça, gênero e outras questões que podem implicar vulnerabilidades diversas. Assim, todos tem necessidades e interesses específicos que precisam serem atendidos mediante políticas de intervenção adequadas e não generalistas.
Neste sentido, pode-se apontar como exemplo a ser discutido a questão de gênero, pois esta implica singularidades na questão que não podem ser pensadas de forma generalizada. Implica refletir de que mulher idosa se fala nos aspectos de classe social, condições socioeconômicas, raça e outros determinantes sociais importantes a serem considerados na análise.
Globalmente, as mulheres formam a maioria das pessoas idosas. Hoje, para cada 100 mulheres com 60 anos ou mais em todo o mundo, há apenas 84 homens. E para cada grupo de 100 mulheres com 80 anos ou mais, existem apenas 61 homens. O envelhecimento é um processo que atinge homens e mulheres de forma diferente. As relações de gênero estruturam todo o curso da vida, influenciando o acesso a recursos e oportunidades com um impacto que é tanto contínuo como cumulativo (UNFPA, 2012: 4).
A conquista de direitos sociais e reconhecimento da pessoa humana como portadora de direitos no Brasil estabeleceu-se apenas a partir da Constituição de 1988. Deste modo, benefícios sociais importantes, como exemplo, o direito à aposentadoria foram amplamente regulamentados a partir desta data, principalmente no que tange à população idosa considerada em situação de extrema pobreza. A esta população somente foi concedido o direito à aposentadoria, a partir da instituição da Lei Orgânica da Assistência Social – n. 8.742, instituída em 1993, tendo como um dos seus objetivos principais a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice e portanto, reconhecendo o direito e à garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Conquista esta que implicou em reconhecimento das necessidades e direitos sociais da população idosa brasileira desprovida dos mínimos sociais.
No campo das desigualdades sociais é importante assinalar que em muitas situações pessoas idosas são comumente mais vulneráveis à discriminação, estando muitas vezes mais sujeitas à abuso tendo seus direitos negados ou ainda sem acesso à renda básica e previdência social. Essa realidade em que pese situações de precarização no campo das desigualdades sociais traduzem-se em sofrimento e amargura da população idosa.
... temos a forma como a população idosa vivencia no cotidiano de suas vidas as mais diversas expressões da questão social, situações marcadas pelo não acesso a recursos básicos para a sobrevivência, tanto na área da saúde, habitação, meio ambiente como naquilo que entendemos ser básico para a sobrevivência como sendo a alimentação, remédios, vestuário e um certo conforto neste período da vida (Oliveira, 2011: 49).
O sentido da vida traduz-se na busca de alternativas para enfrentarmos a diminuição das nossas capacidades mentais, emocionais, corporais, mas também de que forma acessamos nossos direitos sociais. Deste modo, a ONU considera a importância dos governos, sociedade civil e setor privado trabalhem conjuntamente em prol de melhor qualidade de vida para todos os idosos, como direito de todo e qualquer pessoa e neste sentido também ressalta que os governos articulem medidas de proteção, amparo e políticas voltadas às pessoas idosas.
3. Tensões e potencialidades à defesa dos direitos sociais no Brasil
Toda e qualquer conquista de direitos a favor da população não acontece ao acaso, assim também no âmbito das questões que dizem respeito aos direitos dos idosos foi permeado de grandes lutas e tensões, tanto no que tange aos direcionamentos internacionais como aos países.
Em 1982, a Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento aprovou o Plano de Ação Internacional de Viena sobre o Envelhecimento na busca por uma possibilidade de nortear os países para ações em favor da população em idade avançada, mais tarde em 2002, quando da realização da segunda Assembleia Mundial sobre envelhecimento que aconteceu em Madri passam-se a incorporar os países periféricos, os quais começam a vivenciar o envelhecimento de sua população como uma realidade social.
Esse movimento iniciado pela ONU foi importantíssimo na medida em que provocou os países a repensarem seu perfil populacional e se despertasse atenção destes para a questão. Na América Latina esse movimento provocou os países para que modificassem suas Constituições criando leis que pudessem favorecer esse segmento populacional, a exemplo do Brasil em 1988, Peru - 1993, Bolívia- 1994, Equador - 2998 e Venezuela - 1999.
Ao se perceber que a população brasileira passava por mudanças significativas de seu perfil etário, o Brasil também começou a preocupar-se com a questão, mas sem dúvida alguns movimentos da população civil foram fundamentais para a implementação de políticas de direito. Pode-se citar como um dos maiores movimentos a favor da questão das causas previdenciárias foi a criação da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) em 1985, para a qual idosos de todo o país demonstraram sua força política e seu poder organizativo influenciando sobremaneira o texto da Constituição de 1988 no que tange à garantia dos direitos dos idosos brasileiros. Após isto, várias associações e pessoas passaram a se organizar em prol da garantia destes direitos ganhando força junto aos parlamentares de forma que a agenda de defesa em prol da população em idade mais avançada vai tornando-se uma realidade no Brasil.
A vertente da defesa dos direitos sociais e humanos com relação à pessoa idosa Brasil tem sua raiz no reordenamento construído a partir da Constituição Federal Brasileira de 1988, a qual já menciona em cinco de seus artigos os direitos do idoso, sendo estes: 1) o artigo 14, o qual prevê o direito ao voto, sendo este facultativo para os maiores de setenta anos; 2) Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, entre seus objetivos configura-se a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, 3) Art. 229, no qual dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade; e no Art. 230, o qual coloca que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Após o estabelecimento da Constituição Federal, os aparatos governamentais e a construção de equipamentos de políticas públicas foram sendo construídos democraticamente com a colaboração da sociedade civil e os governos, com avanços significativos seja no campo da educação com a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o acesso à educação para todos, no campo da saúde com a constituição do Sistema Único de Saúde Brasileiro/SUS – universal e gratuito, a Assistência Social com a construção e consolidação do Sistema Único de Assistência Social/SUAS e outras políticas voltadas para a população mais necessitada.
No que tange à questão do Idoso grandes avanços se deram com a construção da Política Nacional do Idoso, através da Lei Federal n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994 que tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade e define “a velhice como direito personalíssimo” (Faleiros, 2014: 7). Regem como princípios desta política:
I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II - o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos;
III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;
IV - o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política;
V- as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser observadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral, na aplicação desta lei (BRASIL, Lei 8842, 1994).
No que tange as suas diretrizes a Política Nacional do Idoso buscou implementar ações voltadas para: 1) a promoção e assistência social com a criação de centros de convivência, casas lares, oficinas de trabalho, atendimentos domiciliares entre outros; 2) para a saúde promoveu a atenção à assistência preventiva, protetiva e de recuperação por meio do Sistema Único de Saúde e a geriatria foi incluída como especialidade clínica, inclusive para efeito de concursos públicos;3) na área da educação discutiu e implementou a adequação dos currículos escolares com conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos; foram criados programas de ensino destinados aos idosos; 4) na área do trabalho e da previdência foram criados programas de preparação para a aposentadoria com antecedência mínima de dois anos antes do afastamento; atendimento prioritário nos benefícios previdenciários; 5) o acesso à moradia para o idoso e a redução das barreiras arquitetônicas; 6) na área da justiça implementou-se a promoção jurídica do idoso e defendendo-o contra possíveis casos de violação de direitos; 7) na área da cultura, esporte e lazer promoveu-se iniciativas diversas para a integração do idoso com a redução nos valores de entradas para eventos culturais, esportivos e de lazer; 8) Criação dos Conselhos Municipais e Estaduais do Idoso.
Outra grande conquista, pós Política Nacional do Idoso, foi o Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, possui como diretrizes à garantia dos direitos sociais do idoso, sendo este destinado às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta anos). É reconhecida por meio desta lei que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e deverá possibilitar-lhes oportunidades e facilidades, para a preservação de sua saúde física e mental, em condições de liberdade e dignidade e ainda é reconhecida a obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idosos, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Em 2004, impulsionados pelos movimentos sociais foram criados os Conselhos de Diretos da Pessoa Idosa, sendo instituídos os de objetivos municipais e estaduais e tornaram-se deliberativos pelo Decreto n. 5.109/2004, com representatividade dos órgãos do Executivo e principalmente da participação da sociedade civil. Afim de garantir recursos para o exercício da proteção ao idoso foi criado em 2010, o Fundo Nacional do Idoso pela Lei n. 12.213.
A preocupação com um envelhecimento ativo passou a fazer parte da agenda governamental, com a égide da “independência participação e segurança”. No Brasil, a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso são legislações que reafirmam as políticas de seguridade social (saúde, previdência e assistência) abarcando também outros fatores como educação, lazer, socialização e convívio, entre outros. Pode-se afirmar que tais legislações se caracterizam como avanços e conquistas da população envelhecida.
Muitos foram os direitos conquistados pela população idosa brasileira no que tange à todas as instâncias e reconhecimento do idoso como portador de direitos, mas temos observado um intenso retrocesso. Portanto, embora podemos assinalar e reconhecer os avanços na implementação de Políticas Públicas voltadas para a população idosa alterando significativamente modos de pensar o idoso no Brasil e apoiando uma total participação deste nas mais variadas expressões da vida social, o que se percebe atualmente é um total estancamento e retrocessos prementes na construção das políticas voltadas para essa população.
No âmbito das políticas pode-se afirmar que o Estado é um complexo formado por diversos atores com interesses, valores e ideologias distintas gerando constantes tensionamentos entre forças opostas, desta forma ele não se mantém imune aos conflitos existentes dentro da sociedade capitalista e seus embates de classes e estas relações são por sua vez dinâmicas e contraditórias.
No que tange as políticas voltadas para a questão do idoso no Brasil pode-se apontar que estas refletiram um período em que o Estado brasileiro estava buscando construir como fundamentação alicerçada nos direitos da pessoa humana e, portanto, reconhecidamente na pessoa como portadora de direitos sociais, seguindo as normativas e o comprometimento com os organismos internacionais que norteiam os direitos humanos e sociais para a humanidade. Por certo pode-se afirmar que estas políticas de proteção social se encontram ainda totalmente consolidadas, mas indicavam uma corresponsabilidade governamental para com a pessoa idosa.
As políticas públicas de fato indicam o Estado em movimento, mas não são evidentemente as únicas formas de ação estatal e a agenda estatal muda conforme estão norteados seus propósitos e indicativos de interesses de ideologias predominantes denotando claramente relações de poder e tensionamentos entre estas. Portanto, a inclusão na agenda estatal da questão da pauta do direito do idoso no Brasil devesse à indicativos de pautas e acordos internacionais, mas mais que isto, principalmente aos movimentos sociais que pressionaram o Estado por uma construção de políticas voltadas para a terceira idade, principalmente no que tange a questões daqueles mais fragilizados e necessitados.
Por certo, as conquistas de direitos e avanços no que tange à construção de políticas públicas não são realizadas ao acaso, mas sim por vias das demandas que vão surgindo em virtudes das transformações societárias que ocorrem na humanidade, e atualmente pode-se dizer que são necessidades geradas no âmbito do mundo capitalista atual. Portanto, se por um lado, tivemos grandes avanços na medicina e outros que nos proporcionaram uma maior longevidade também sofremos os impactos e tensionamentos no âmbito das forças e relações de poder na conquista pelos direitos à proteção social como também se dão os espaços de controle social e administração de conflitos por parte dos órgãos governamentais.
Importante então destacar que no âmbito dos direitos sociais o Brasil perpassa atualmente por uma crise na qual suas conquistas estão sofrendo com retrocessos latentes por ataques comumentemente utilizados no que tange às políticas públicas já instituídas, um exemplo, disso é a discussão implementada pelo atual governo federal no que tange ao BPC o que à princípio parece ameaçar alguns benefícios já conquistados. Assim, é latente que muitos dos textos, relatórios e outros documentos esclarecedores quanto à realidade vigente do país estão sendo retirados das plataformas governamentais e/ou revisados sob novos olhares e perspectivas mais conversadoras. Assim, pergunta-se qual o destino de todos nós quanto aos nossos direitos fundamentais básicos? E aos idosos necessitados e vulneráveis serão possíveis atendimento adequados e necessários para todos no que tange à garantia de seus direitos sociais? Por certo, o mundo passa por grandes mudanças, muitas tensões e conflitos no que tange ao campo dos direitos fundamentais basta saber quais serão suas escolhas e destino da humanidade.
É preciso, portanto, que os governos locais busquem na relação do seu tempo histórico o sentido que damos à vida do ser humano e com esta sensibilidade que possamos construir um mundo mais autêntico e solidário, onde os direitos humanos e sociais sejam garantidos principalmente para aqueles que em determinados momentos da vida tornam-se mais frágeis e vulneráveis assegurando-lhes a possibilidade de acesso e oportunidades a uma melhor qualidade de vida.
Últimas considerações
Com toda a certeza o século XXI descortina uma nova fase para a ciência e para a medicina preventiva e saúde das populações, com perspectivas na melhoria da qualidade de vida dos idosos. Pode-se dizer que nas primeiras décadas do século XIX a esperança de vida na Europa rondava por volta dos 33 anos, pessoas com melhor qualidade de vida poderiam chegar aos 60, todavia as populações vulneráveis e que em pleno risco social tendiam a viver menos.
Pode-se dizer que esta média se alterou significativamente no início do século XXI, quando a expectativa de vida chegou à uma média de 75 anos, mas hoje é muito possível que muitos cheguem a 100 anos e/ou ultrapassem essa idade. Também se altera aos poucos a concepção que se tem da velhice, passando da concepção de pessoa passiva para uma pessoa ativa em todos os sentidos.
Assim, é importante denotar a emergência da temática buscando construir e consolidar a proteção dos direitos da pessoa idosa em todas as suas dimensões, tendo em vista que a humanidade tende a aumentar a expectativa de vida do idoso. Assinalamos, portanto, a necessidade de consolidarmos políticas públicas que possam fazer diferença no campo do atendimento e na atenção da pessoa idosa.
Vale lembrar que sempre o campo de defesa dos direitos das pessoas é o campo das tensões e conflitos, mas por outro lado também do aumento das potencialidades e das possibilidades que surgem através das lutas em defesa de melhor qualidade de vida para todos. Viver implica darmos sentido à vida humana e neste sentido faz-se necessário instrumentar o idoso sob os seus direitos e participação ativa na sociedade, afim de juntos podermos construir uma sociedade mais igualitária para todos.