Prólogo Prologue
Não podemos negar que mídia, violência e alteridade são temas profundamente imbricados. Nos últimos anos, vivenciamos uma explosão de discursos de ódio dirigidos aos mais diversos grupos e minorias. O surgimento dos novos meios eletrônicos e, particularmente, das chamadas redes sociais, deu aos indivíduos um lugar, em decorrência da estrutura autoritária de algumas sociedades, principalmente, que não fortaleceu a democratização da informação (embora a torne possível) e sim tem levado à tendência de substituir o espaço público da opinião pelo espaço privado, no caso, pela difusão em público de gostos, preferências, aversões, desaforos, calúnias e difamações. A violência a que diversos grupos e minorias são cotidianamente submetidos, como a população feminina, a população negra, os povos originários, os imigrantes e LGBTQIA+ expõe, assim, sociedades cruéis, que encontram em vozes, corpos e armas um caminho livre de restrições.
Cabe, então, nos perguntar como as mídias podem dar visibilidade à violência doméstica, de modo responsável, nos nossos países, a fim de que essas sociedades comecem a responder ao desafio de dirimir tal violência?
Apresentamos algumas respostas a esta questão. Em I- DE La construción e impacto del discurso em la violência de gênero y su possible prevención, o artigo de Júlia C. Versiani dos Anjos, intitulado “Feminicídio no telejornalismo e o fantasma da ‘mulher honesta’: narrativas que dificultam o enfrentamento à violência”, que explica, de modo geral, como as notícias jornalísticas que versam sobre feminicídio, no Brasil, contribuem para a construção de uma seletividade em relação a um tipo de vítima, que é exaltada, em detrimento de outras, que são culpabilizadas pela violência sofrida.
No artigo denominado “Impacto mediático y efecto corruptor en el combate a violencias domésticas en el centro de justicia para la mujer en Jalisco”, os autores - Fernando J. Palomino Ramos e Javier Alejandro Vázquez de Alba – chamam a nossa atenção para possíveis interferências das mídias em processos judiciais, com foco na Rede de Centros de Justiça da Mulher do Estado de Jalisco, no México. Tais interferências alcançam a dinâmica social do uso de políticas públicas de combate à violência doméstica. Os autores, com uma abordagem descritiva e normativa, esclarecem como a atuação, na esfera jurídica, de órgãos da administração pública diversos pode gerar um efeito corruptor envolvendo até mesmo a alteração ou construção de fatos ou provas, contribuindo assim para a baixa eficácia no ocmbate à violência doméstica. Concluem que é necessário a sensibilização para o fato de que, as notícias veiculadas pela mídia formal e informal são, em sua maioria, opiniões do profissional dessas mídias, os quais podem não estar familiarizados com os processos realizados na forma de um julgamento. Assim, as mídias - considerando-se as que veiculam notícias da região mencionada - podem não contribuir para o combate à violência contra a mulher.
O papel da teledramaturgia é ressaltado pelo seu potencial educativo, no artigo de Larissa Angelini de Andrade Gianvecchio e Josiane Peres Gonçalves, intitulado “Machismo, violência doméstica e influência das mídias na cultura brasileira”. As autoras discutem também a Lei Nº 13.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, que constitui um avanço no enfrentamento do problema da violência contra a mulher, no Brasil, bem como destacam que, a partir dos anos 2000, diversas teledramaturgias abordaram a violência doméstica e o machismo, apontando assim para a necessidade de superação dessa problemática social na cultura brasileira.
Em seguida, o artigo “Política de piedade na propaganda social sobre a violência doméstica contra a mulher”, de autoria de Ana Elisa Antunes Viviani, apresenta e discute ideias de Boltanski, com ênfase na política da piedade, que foram depois aplicadas na análise de propaganda social sobre a violência contra a mulher. Com isso, a autora constatou-se que há aspectos inerentes à própria materialidade dessa produção que pode contribuir para incitar a piedade, o que levaria aqueles que estão distantes desse sofrimento, ou seja, aqueles que não são vítimas, a denunciar. Ainda que a denúncia não seja a solução para o problema da violência doméstica contra a mulher, ela é uma ação que pode amenizar as consequências, que podem chegar ao feminicídio.
Em “Adaptación y validación de un instrumento de medición del riesgo de violencia feminicida para el estado de Guanajuato, México”, Anabel Pulido López, Diretora Geral do Instituto para las Mujeres Guanajuatenses (Guanajuato, México), contou com a colaboração de outras investigadoras - Karla Beatriz Bernal Sánchez, Katherin Cordova Sauceda, Ofelia Baeza Villa, Cinthia Karina Álvarez Villegas e Estefanía Sánchez Hernández -, em pesquisa que avaliou, por método estatístico - análise fatorial -, um instrumento de valoração do risco de violencia feminicida. Explicam as autoras que foi apresentado um instrumento adaptado e validado, com potencial para ativar mecanismos de proteção para mulheres, adolescentes e meninas, que identifica o risco de violência feminicida a que estão submetidas.
Em II- Varia, encontramos o artigo intitulado “Servicio de atención y acompañamiento emergente a víctimas de violencia en Salamanca, México (víctimas indirectas de desaparición, homicidio y feminicídio)”, de Abraham Sánchez Ruiz, Mario Camacho López, Eugenia L. Martínez Carrillo e César E. Prieto Gallardo, além de apresentar e discutir dados publicizados pelo Serviço de Atendimento Emergente de vítimas indiretas de homicídio, desaparecimento e feminicídio (SAAEV), de Salamanca, Guanajuato, no México, entre 2021 e 2024, se constitui também como um convite para especialistas refletirem sobre elementos norteadores para a construção de políticas públicas envolvendo a violência contra a mulher, que possam ser replicáveis e passíveis de provocar impacto social
E também o artigo “Y las mujeres... ¿por qué matan?”, dos autores Zonia Sotomayor Peterson, Leonardo Mendívil Cháves e Lydia Martínez Valdez, que buscam explicitar quais os motivos que levam as mulheres a matar. Para tanto, se valem de depoimentos de mulheres encarceradas nos Centros Penitenciários do Estado de Sonora (México). Enfatizam ainda que, embora os homicídios sejam cometidos mais por homens do que por mulheres, recentemente, os assassinatos cometidos por mulheres aumentaram mais do que notoriamente.
Em III-Reseñas, a obra O útero biopolítico, de Miriam Kênia Carvalho, é resenhada por André Luis Scutieri dos Santos, na qual afirma que o Essure foi tratado, na referida obra, como um objeto do biopoder e como um indicador da transformação capitalista da subjetividade e do tratamento dado à complexidade dos corpos. Afirma ainda que a autora concluiu que os corpos, antes adoecidos pelo Essure, se tornaram novos corpos, empoderados pela multidão e por suas conquistas, capazes de deixarem de ser cobaias do regime farmacopornográfico para alcançar bioempoderamento e se libertar da lógica necrótica do biopoder. Assim, vale conferir como isto ocorreu.
Segue a resenha elaborada por Dominique Gay-Sylvestre, para a obra de Rosa Maria Ibarra Aragón, Verdades que duelen, que trata do sofrimento de meninos e meninas de um internato, sediado num edifício construído no iníco do século XIX, em Durango, no México. A autora enfatiza que o sofrimento desses meninas e meninos é traduzido por palavras “escritas ou transcritas”, que provocam um certo alívio, até mesmo libertador, pois tornam possível a reflexão sobre um passado que ainda assombra esses pequenos sofredores. Assim, fica o convite para caminhar com essas palavras, para ir ao encontro desse exercício prazeroso
Apresentados fragmentos das reflexões que constam neste número da Revista Trayectorias Humanas Transcontinentales, com a temática Medios de comunicación y violencias intrafamiliares, concluímos com a expectativa de que elas possam incitar o interesse pela leitura.
Boa leitura!